emblema da Universidade de Colonia com a imagem dos 3 reis magos

ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Emblema da Academia Brasil-Europa ABE -Instituto de Estudos da Cultura Musical do mundo de língua portuguesa ISMPS
Imagem de S. Benedito em procissão de Sto. Amaro da Purificação, Bahia 1972. Pesquisas A.A.Bispo
Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo. Universidade de. Colonia. Presidente da Academia Brasil-Europa. Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa ISMPS

Jaculatórias de São Benedito


BRASIL NA MÚSICA SACRA

MÚSICA SACRA NO BRASIL


PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA
PELOS 50 ANOS DE TRABALHOS INTERNACIONAIS


Jaculatórias de S. Benedito. Irmandade do Rosário dos Homens Pretos. SP


1975


Jaculatórias de S. Benedito. Irmandade do Rosário. S. Paulo

São Benedito - B. Manasseri, B. de Sancto Philadelpho, B. de San Fratello, B. di Palermo, conhecido como Niger, Mouro ou Africano (ca. 1526-1588), foi santo considerado sob o aspecto dos estudos sacro-musicais em cooperações internacionais desde 1975 na Europa. 


Os estudos inseriram-se em projeto brasileiro destinado ao desenvolvimento de uma musicologia de orientação culturológica voltado à análise de processos e, concomitantemente, de estudos culturais sob especial consideração da música em contextos globais. Foi levado a efeito graças ao apoio do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). Foi sediado no Instituto de Musicologia de Colonia e realizado em cooperações com o Instituto Português-Brasileiro da Universidade e com pesquisadores de instituições da Arquidiocese de Colonia e do Pontificio Instituto de Música Sacra de Roma. 


A particular atenção ao século XIX deveu-se à atualidade dos estudos dedicados a esse século na musicologia da década de 1970, também em estudos concernentes a regiões extra-européias. Em andamento encontrava-se um projeto editorial dedicado às Culturas Musicais na América Latina no século XIX. A concentração à música sacra decorreu da atualidade das expectativas e preocupações perante as mudanças desencadeadas pelo Concílio Vaticano II. O interesse pela música sacra na pesquisa foi impulsionado pela celebração do Ano Palestrina em 1975.  


Essa cidade alemã, marcada no passado medieval pela veneração dos Três Reis Magos, e assim também de um dos magos/reis de procedência africana, trouxe à consciência aspectos imagológicos da conotação africana na linguagem visual. Outros santos venerados localmente e remontantes aos primeiros séculos da era cristã foram africanos. 


Histórico


São Benedito e suas formas tradicionais de devoção foram objeto de estudos de folcloristas, sendo considerado em várias publicações. Com a introdução dos estudos de Folclore em conservatórios, em 1964, passou-se a considerar com mais atenção a música em tradições religiosas de culto e festas do calendário. 


Esse interesse foi promovido por professores que, para além de pesquisadores, atuavam como cantores ou regentes em irmandades. Entre êles, salientou-se Edgard Arantes, sucessor de Carlos Cruz como mestre-de-capela da Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo. Os conhecimentos obtidos através de observações e da vivência da prática musical em atos litúrgicos, paralitúrgicos e devocionaiis da irmandade levaram a reflexões e abriram perspectivas para os estudos culturais desenvolvidos no Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore. 


Esses estudos foram conduzidos em estreita cooperação com o Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão. A orientação desse movimento, interdisciplinar, era a de promover uma mudança de modos de ver e proceder a partir de uma orientação da atenção a processos ultrapassadores de áreas e esferas nos seus diferentes sentidos, e assim de separações de grupos categorizados segundo critérios étnicos, sociais ou outros, contribuindo assim a anelos anti-discriminatórios e de exclusão. Um marco nesses estudos foi a constatação do significado do culto de São Benedito nas festas de Santo Amaro da Purificação em 1972. Nelas considerou-se a veneração do santo no contexto teológico da festa da Purificação de Nossa Senhora ou de Nossa Senhora da Luz, celebrada no dia de 2 de fevereiro.


Em nível superior, os estudos foram aprofundados em cursos da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo a partir de 1972. Obras do repertório da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo foram pela primeira vez apresentadas em concerto pelo então criado Coro e Orquestra de Música Sacra Paulista. Em trabalhos desenvolvidos na Bahia e em outros Estados do Nordeste, em 1972, a música em práticas religiosas de afro-brasileiros foi considerada com atenção.


Significado


São Benedito foi, através dos séculos, particularmente venerado pelos africanos cristianizados. A sua imagem encontra-se em muitas igrejas do Brasil e em altares de oratórios particulares. A sua veneração foi sempre sobretudo intensa em irmandades de africanos e seus descendentes, como aquelas de Nossa Senhora do Rosário ou de Santa Ifigênia. 


A sua festa, no dia 4 de abril foi e é motivo de atos litúrgicos e festivos. A devoção adquire assim extraordinário significado para estudos históricos, sociais e culturais, em particular para aqueles dedicados a estudos da cultura de africanos e seus descendentes. Esse culto remete à ação missionária de Franciscanos.


O significado de Benedito para os descendentes de africanos já nascidos no Brasil decorre do fato de Benedito surgir como um modêlo de exemplaridade, uma vez que também êle, nascido em San Fratello, localidade próxima de Palermo, na Sicília,  era filho de escravos africanos provenientes da Etiópia. Nasceu e faleceu em Palermo. 


Os seus pais já eram cristãos, trazidos como escravos, sendo êle, analfabeto, um modesto trabalhador, atuando em minas e como vaqueiro ou boiadeiro. Jovem, em 1547, entrou para uma comunidade de eremitas liderada porJerônimo Lanza, passando a seguir a viver no monte Pellegrino, onde se encontravam relíquias de Santa Rosália de Palermo. 


A sua vida foi marcada por votos de pobreza, de obediência e de castidade, além do voto pessoal de jejuar três dias por semana, alimentar-se frugalmente e jamais tomar vinho. A comunidade, dissolvida pelo papa em 1562, levou a que êle entrasse para o convento de Santa Maria di Gesù em Palermo dos Franciscanos Observantes, onde passou a trabalhar na cozinha.


Altamente considerado pelas suas virtudes pelos religiosos, embora leigo, tornou-se guardião da comunidade em 1578, tornando-se um exemplo de comportamento e, a partir de 1581, mestre de noviços, ainda que sempre trabalhando na cozinha. 


Passou a ser venerado pelos moradores de Palermo, iniciando-se um processo de reconhecimento do seu culto em 1588. Foi beatificado por Bento XIV em 1743 e santificado em 1807 por Pio VII.  O reconhecimento pontifício da veneração de S. Benedito e a sua elevação aos altares foi para os africanos e seus descendentes que em grande parte já tinham sido batizados na África antes do transporte ou já nascidos no Brasil, onde eram batizados, compreensivelmente de alto significado nos séculos XVIII e XIX. 


Pelas suas origens, pela sua pouca instrução e árduos meios de vida em trabalhos e posições subalternas, representava um exemplo de modéstia e obediência, de satisfação com alimentação frugal e de isenção de bebidas alcoólicas, o que compreensivelmente apenas podia ser bem visto pelos proprietários de escravos. O culto não foi sufocado, mas fomentado.


Aspectos dos estudos


As Jaculatórias de São Benedito, de Carlos Cruz, mestre da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo, são, apesar de sua simplicidade, de particular significado para estudos culturais referentes à vida religiosa de africanos e seus descendentes em São Paulo. 


A imagem de São Benedito já se encontrava na antiga igreja do Rosário, no Largo do mesmo nome, no histórico Triângulo paulista, transferida para a nova igreja no Largo do Paissandú, inaugurada esta em 1906. A demolição da antiga e a construção da nova igreja ocorreu em época marcada pelos intuitos restaurativos da Igreja.  As práticas tradicionais festivas e a prática da música coral com acompanhamento de orquestra, considerado como inadequada para a música sacra no movimento restaurador, foi acentuado com o Motu Proprio de Pio X em 1903. No novo templo, a prática instrumental foi reduzida ao mínimo, passando a se usar um harmonium, uma vez que a irmandade não possuia meios para a aquisição de um órgão. O repertório mais antigo, desqualificado como profano, teve de ser em grande parte abandonado. 


Entre as obras que surgiam como impróprias encontravam-se aquelas com partes solistas de maior virtuosidade vocal, uma vez que passaram a ser consideradas como expressão de intentos vaidosos de demonstração artística de cantores. Além do mais, essas obras exigiam o acompanhamento orquestral. Entre elas encontravam- se Jaculatórias do Divino Espírito Santo, entoadas tradicionalmente nas festas de Pentecostes da Irmandade no passado. 


As Jaculatórias, que como orações a serem lançadas como flechas (lt. jaculatorium), expressando o anelo do fiel de Deus, ofereciam-se para linhas melódicas que manifestavam esse inpulso. A Jaculatória de São Benedito de Carlos Cruz já não exprime esse sentido. A melodia do solista, na sua simplicidade, é a de um singelo canto de fácil memorização, sem ornamentos ou vocalizações,  na qual o coro participa a uma só voz.  O texto não é em latim, mas em vernáculo. Na primeira Jaculatória, implora-se que S. Benedito, amado de Deus, seja, no céu, o advogado dos devotos. Na segunda, os cantores imploram graças. Na terceira, diz-se que todos seriam felizes se S. Benedito fizesse que os devotos pudessem imitá-lo na vida e na morte. A idéia da imitação do modesto Benedito assim pronunciada adquire relevância para estudos de psicologia social em contextos de afro-descendentes.


Desenvolvimentos subsequentes


A necessidade de fundamentação científica dos estudos e procedimentos em anos marcados por mudanças de concepções e práticas da música em âmbito religioso decorrentes do Concílio Vaticano II expressou-se na fundação do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos da Consociatio Internationalis Musicae Sacrae (Roma), com centro de estudos junto à abadia beneditina de Maria Laach em 1977. 


O interesse pelos estudos referentes à música sacra na África, na história missionária e no presente, tratada em encontros no Museu da África em Tervuren/Bruxelas e no Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn marcou os trabalhos de fins da década de 1970. A presença brasileira na seção de Etnomusicologia trouxe á consciência o significado do culto a São Benedito entre os africanos e afro-descendentes no Brasil.


Esses trabalhos motivaram viagens de estudos a Palermo, onde a atenção foi dirigida ao cuito de Santa Rosália (ca. 1130 - 1166), à sua gruta onde viveu como ermitã e as tradições religiosas e festivas de Palermo.




ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil









Os textos considerados neste programa são relatos suscintos   de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.