Memento - De profundis - foi tema de estudos e diálogos levados a efeito no Brasil desde a década de 1960 e que tiveram prosseguimento em centros de estudos musicológicos e de estudos da religião na Europa a partir de 1974. Os estudos inseriram-se em projeto brasileiro destinado ao desenvolvimento de uma musicologia de orientação culturológica voltado à análise de processos e, concomitantemente, de estudos culturais sob especial consideração da música em contextos globais. Foi tratado no âmbito dos programa Brasil na Música Sacra / Música Sacra no Brasil desse projeto. O programa foi sediado no Instituto de Musicologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de Colonia. 

Um marco no desenvolvimento do projeto foi ciclo de estudos realizado em Roma durante a Semana Santa em março de 1975.

Significado

Memento é a primeira palavra da frase Memento mei Deus, quia ventus est vita mea. Nela pede-se a Deus que se lembre de si, expressando a temporariedade da vida e a rapidez com que esta passa, comparando-a com um vento. Na primeira pessoa, o texto é pronunciado figurativamente pelo morto. Seguem-se Nec aspiciat me visus hominis, quando este diz que já não se é visto pelos homens e o De profundis clamavi ad te, Domine: Domine, exaudi vocem meam, onde o morto suplica das profundezas que Deus escute a sua voz. Segue-se o Kyrie eleison e o Requiescant.  Na sua fundamentação bíblica, o texto leva a Job (7.8). O De profundis clamavi ad te remete ao salmo 130 (ou 129).

O Memento é uma oração  que foi e é pronunciada ou cantada, em latim -  hoje em vernáculo -, sobretudo em ritos de enterramento e no dia de Finados, celebrado no dia 2 de novembro (Dies in commemoratione omnium fidelium defunctorum) em seguida ao dia de Todos os Santos. É assim de significado para estudos da cultura fúnebre e penitencial em Portugal e no Brasil. O Memento é entoado também em ofícios de Horas em conventos, como parte da Completa das quarta-feiras, ou na véspera de ofícios de mortos. 

Se a recitação ou canto desse responsório é imediatamente compreensível nesses contextos, a sua presença na véspera de Natal e durante a sua oitava exige estudos mais aprofundados de sentidos.

Os estudos dos ritos funerários transmitidos no Cristianismo devem ser estudados não apenas na sua fundamentação bíblica como também nas suas remotas origens em outros contextos da Antiguidade.

Desenvolvimentos precedentes

Para além de textos concernentes à comemoração de mortos na literatura teológica e religiosa em geral, também em português, os ritos mortuários foram tratados no Brasil a partir daqueles de pesquisadores de tradições. Vários folcloristas 

trataram de temas de práticas mortuárias. Cemitérios são visitados e túmulos enfeitados e benzidos, em parte já na tarde do dia de Todos os Santos e na semana que se segue ao 2 de novembro. Entre outros aspectos de estudos da cultura relacionada com a morte e com mortos, a prática de Encomendação das Almas (Commendatio Animae) em regiões rurais foi tratada em estudos e aulas, assim como considerada também sob o aspecto musical em cursos de Folclore. 

No Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão, marcado pelo escopo de promover uma renovação de perspectivas e procedimentos nos estudos culturais e musicais através de um direcionamento da atenção a processos, superando-se separações de esferas categorizadas como eruditas, folclóricas ou populares, os estudos foram desenvolvidos em cooperações com pesquisadores de diferentes áreas. O tema da cultura mortuária foi tratado em trabalhos, aulas e encontros no Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo. Em estudos conduzidos no âmbito de grupo de trabalho constituído no Centro de Pesquisas em Musicologia, o Gregoriano e expressões com êle relacionadas do canto religioso no Brasil foram considerados com a colaboração de pesquisadores da Faculdade Sedes Sapientiae, do Studium Theologicum do Paraná, do Instituto Pio X do Rio de Janeiro e de sua sucursal em São Paulo e outras instituições.

Um Memento de remotas origens

Em estudo de acervos e arquivos em São Paulo e em outras cidades, encontrou-se um Memento que despertou particular atenção sob diferentes aspectos.

Esse Memento, transmitido em cópias de fins do século XIX da tradição de cidades do vale do Paraíba, documenta a prática do canto em cinco estações em cortejos de enterramento. A sua linguagem musical revela ter origens muito mais remotas, decorrentes do cantochão. Evidencia sobretudo a permanência da salmodia na tradição popular.

Dando continuidade a procedimentos interdisciplinares nos estudos conduzidos no Brasil, esse Memento foi considerado a partir de 1975 em diálogos com pesquisadores europeus sob diferentes aspectos, teológicos, sob perspectivas dos estudos comparativos de religião, musicológicos e de linguagem visual. 

O Memento no século XIX

A particular atenção ao século XIX deveu-se à atualidade dos estudos dedicados a esse século na musicologia da década de 1970, também em estudos concernentes a regiões extra-européias. Em andamento encontrava-se em Colonia um projeto editorial dedicado às Culturas Musicais na América Latina no século XIX. A concentração à música sacra decorreu da atualidade das expectativas e preocupações perante as mudanças desencadeadas pelo Concílio Vaticano II. O interesse pela música sacra na pesquisa foi impulsionado pela celebração do Ano Palestrina em 1975. As reflexões voltaram-se não só ao século XVI, como também ao XIX, o século da Restauração e do Cecilianismo.

Uma questão sempre discutida foi o das relações e interações entre cantos tradicionais e aqueles compostos no decorrer de processos restaurativos do século XIX, promovidos pelas autoridades eclesiásticas. Neste sentido, considerou-se com particular atenção obras de compositores de Itú, um dos centros do movimento restaurativo em São Paulo.

Desenvolvimentos subsequentes

Temas relacionados com a música na cultura mortuária do Brasil foram tratados com Cleofe Person de Mattos (1913-2002) entre 1978 e 1981 a partir do Requiem de José Maurício Nunes Garcia (1787-1830). Considerado em colóquios realizados quando de suas estadias na Europa, o Requiem foi um dos temas do primeiro trabalho conjunto de pesquisadores brasileiros que teve a sua expressão no projeto Colectanea Musicae Sacrae Brasiliensis, cujo primeiro volume foi publicado como ponto de partida para os debates do Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo, em 1981.

Em várias ocasiões, pesquisadores brasileiros de tradições populares e ritos funerários e penitenciais participaram de colóquios e simpósios internacionais, salientando-se o II Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira que, em 1989, realizou-se em várias cidades da Alemanha e que teve como tema Tradições Cristãs e Sincretismo.

Em 2002, no Congresso de Estudos Euro-Brasileiros realizado no encerramento do Triênio de estudos pelos 500 anos do Brasil, o tema foi tratado em conferência e discussão sobre ritos mortuários na tradição popular, com particular consideração da Encomendação das Almas em Minas Gerais e Bahia. 

ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil