emblema da Universidade de Colonia com a imagem dos 3 reis magos

ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Emblema da Academia Brasil-Europa ABE -Instituto de Estudos da Cultura Musical do mundo de língua portuguesa ISMPS
Altar na igreja de S. Gonçalo, São Paulo
Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo. Universidade de. Colonia. Presidente da Academia Brasil-Europa. Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa ISMPS

Novena de S. José


BRASIL NA MÚSICA SACRA

MÚSICA SACRA NO BRASIL


PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA
PELOS 50 ANOS DE TRABALHOS INTERNACIONAIS


Novena de S. José. Vale do Paraíba. Séc. XIX


1975

Novena de São José. São Paulo
Novena de S. José. São Paulo

São José é um dos santos menos lembrados em estudos culturais e praticamente não tratado com mais atenção em estudos de música sacra e musicológicos em geral. A sua consideração sob a perspectiva da ciência da religião e dos estudos culturais, - também nas suas relações com a música - , revela-se porém como sendo de grande significado. A intensidade de seu culto como um dos mais venerados e populares santos não permite que seja ignorado nos estudos culturais e mesmo musicológicos.


Já na década de 1960 reconheceu-se a necessidade de uma maior atenção à veneração de São José no âmbito dos estudos culturais empíricos. Em época marcada por mudanças de concepções e práticas litúrgico-musicais decorrentes do Concílio Vaticano II uma maior consideração de expressões culturais em meios populares mais modestos, em particular em bairros operários de São Paulo, foi um dos fatores que levaram ao reconhecimento da necessidade de revisões e reorientações dos estudos de tradições populares, favorecendo reflexões sobre objetivos e procedimentos na área dos Folclore. Concomitantemente, contextos urbanos marcados por fábricas e por comunidades opeárias passaram a ser considerados com maior atenção sob o aspecto dos estudos históricos e da arquitetura e urbanismo.


Significado


O significado da veneração de São José veneração pode ser reconhecido a partir das referências nas Escrituras, o que não impede que sejam investigadas relações com imagens e concepções da Antiguidade não-bíblica. Pelo seu papel junto a Maria, pela aceitação de ter esta concebido do Espírito Santo, omo pai adotivo de Jesus, como protetor da sagrada família, como guia na sua fuga ao Egito, José surge como protetor das famílias. 


Foi santo protetor da família dos Habsburgs, podendo-se assim considerar o significado do culto à época da união pessoa de Portugal e Espanha nos séculos XVI e XVII (1580-1640). O seu significado no século XVIII em Portugal e nas suas colonias revela-se no fato do seu nome ter sido até escolhido para o batismo do rei D. José I (1714-1777). Irmandades de São José, também sob o aspecto da música sacra, assumem particular significado em regiões marcadas pela vida de trabalho, como aquela da região de minas da antiga Vila Rica.


Como protetor de famiílias, compreende-se o interesse pela veneração de S. José em estudos voltados a contextos familiares, à cultura do quotidiano doméstico nos estudos culturais voltados à cultura do dia-a-dia no âmbito de intentos de renovação de estudos de folclore da década de 1960. Em nível superior, essa orientação incentivou pesquisas da cultura do quotidiano na área da Etnomusicologia e a estudos de condicionamentos culturais de professores e pesquisadores, um direcionamento de interesses da pesquisa que teve continuidade nas décadas seguintes.


Pelo fato de ter sido carpinteiro, modesto trabalhador, São José é venerado como protetor de artesãos, trabalhadores e operários, sendo o seu culto intenso em meios populares marcados pela vida de trabalho. Esses elos com o trabalho e a sua veneração por trabalhadores foi há muito constatada em estudos culturais primordialmente voltados a meios sociais de círculos mais modestos da população. 


A veneração de S. José intensificou-se no século XIX, o século que foi marcado pela industrialização, pelo operariado em fábricas e usinas, pelo surgimento de bairros de operariado nas cidades industriais de vários países europeus. Em 1870, São José foi elevado a padroeiro de toda a Igreja. Sobretudo a ordem dos Salesianos de Dom Bosco (Societas Sancti Francisci Salesii) teve a sua história marcada pela atenção à juventude do meio social mais modesto de trabalhadores, o que marcou a atuação de missionários na América Latina, em particular também no Brasil. O 1 de maio, guardado desde 1889, levou posteriormente, sob Pio XII, a ser colocado sob a égide de São José. 


O significado da veneração de São José em meio de trabalhadores, artesãos e operários de fábricas foi reconhecido na década de 1960 por pesquisadores voltados a estudos sociais e  sócio-culturais, assim como da pesquisa cultura em contextos marcados pela vida de trabalho em bairros operários de cidades como São Paulo.


Em ambos os sentidos, como protetor de famílias e protetor de trabalhadores, São José correspondeu a tendências renovadoras dos estudos culturais dos anos 60 e 70, tanto naquelas voltadas à cultura familiar e do quotidiano doméstico, como naquelas dirigidas à vida de trabalho, a estudos sócio-culturais de contextos operários. Ambos os fatores contribuiram às reflexões referentes à revisão e atualização de concepções e procedimentos nos estudos de tradições populares, do folclore e de estudos sociais.


Desenvolvimento dos estudos


A atenção a S. José nos estudos culturais foi despertada em São Paulo por pesquisadores de orientação político-social voltada à cultura de meios mais modestos da sociedade. Em irmandades, o dia 19 de março, dedicado a José, era celebrado e precedido por novenas. 


O movimento de renovação de estudos culturais e musicais iniciado em 1966, no qual se inseriu o Centro de Pesquisas em Musicologia, dirigindo a sua atenção a processos, veio ao encontro desses interesses por questões sociais. O seu objetivo era o de superar um modo de pensar marcado por separações de áreas e esferas em diferentes sentidos, difundindo perspectivas e procedimentos que aproximavam intelectuais de esferas sociais menos favorecidas. 


Os trabalhos de pesquisas de fontes desde então desenvolvidos levaram à valorização de composições e práticas musicais que, pela modéstia de sua linguagem musical, pareciam ser sem interesse sob o ponto de vista histórico-musical. Esses intentos corresponderam àqueles de universitários então engajados politicamente em anos marcados por regime autoritário. A necessidade de uma maior atenção nos estudos culturais ao operariado e a bairros marcados por trabalhadores foi particularmente salientada em evento levado a efeito na região do ABC em 1969/70.


Observações e estudos de novenas em igrejas devotadas a São José, entre outras na igreja de São José no Ipiranga, motivaram o levantamento de fontes em acervos particulares e arquivos da cidade e do interior. 


Homo faber na Etnomusicologia


Esses estudos iveram continuidade em nível superior da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo. Professores de Educação Musical deviam ser preparados para a sua atuação em escolas de meios operários e em contextos familiares. A atenção à veneração a S. José incentivou trabalhos de pesquisas sob o aspecto de uma Etnomusicologia urbana.


Em pesquisas de cultos considerados como sincretísticos, um dos focos de estudos disse respeito às relações e formas de expressão entre o culto de Santo Antonio e São José. A importância de concepções e imagens que se expressam na hagiografia de S. José como homo faber em formas de cultos no Nordeste do Brasil já tinha sido registrada por Martin Braunwieser (1901-1991) na sua participação na Missão de Pesquisas Folclóricas promovida pelo Departamento de Cultura de São Paulo nos anos 30. 


A veneração de São José foi um dos temas considerados em ciclo de estudos luso-brasileiros realizado em Portugal, em 1974 e, no mesmo ano, no projeto de estudos musicais e culturais elaborado no Brasil e desenvolvido em contextos globais a partir da Alemanha, sendo sediado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. 


Colonia possui igrejas dedicadas a S. José sobretudo em bairros que apresentam particular interesse para estudos culturais urbanos, de quarteirões, vizinhanças e de consciência cultural bairriais, os Veedel.  Um marco no desenvolvimento dos estudos culturais relacionados com a veneração de São José foi novena realizada no bairro de Nippes em março de 1975.


Estudos do século XIX


A consideração de São José nos estudos culturais veio ao encontro dos intuitos de reconsiderações do século XIX na historiografia e, em particular, nos estudos sacro-musicais e musicológicos em geral. Tomou-se consciêndia de que a intensificação do culto de S. José no século XIX inseriu-se em processos históricos de um século que foi não só aquele da Revolução Industrial, de fábricas e usinas com os seus bairros de operários, mas também o da Restauração, o dos intuitos eclesiásticos de reinstauração ou refortalecimento da vida religiosa em reação a processos secularizadores e cujo marco foi o Concílio Vaticano I. A revisão de concepções e práticas marcadas por desenvolvimentos do século XIX nas suas extensões no XX foi uma preocupação que maarcou os anos pós conciliares no Brasil e na Europa. 


As reflexões encetadas no Brasil corresponderam nesse sentido àquelas atuais na década de 1970 na Europa e que tiveram suas expressões no debate concernente à música sacra, em particular perante as mudanças que ocorriam nos países extra-europeus e, sob o aspecto mais amplo, em projeto voltado às culturas musicais na América Latina no século XIX em desenvolvimento na seção de Etnomusicologia. 


Nesses estudos, considerou-se com especial atenção que o fomento da veneração de São José correspondeu aos intentos de restauração religiosa na vida familiar fomentada por ordens religiosas e suas instituições de ensino, em particular de educação feminina, assim como em meios sociais marcados pela vida de trabalho de cidades e regiões que, como em São Paulo, vivenciaram desenvolvimentos de extraordinária expansão agrícola e industrial.


As reflexões nos estudos musicológicos partiram da acepção de que o papel da música no culto de São José deve partir das concepções hagiográficas, da sua imagem e das características de sua veneração. As fontes levantadas em pesquisas denotam uma simplicidade, uma modéstia quanto à linguagem musical e a expressões que não deve levar à suposição de uma irrelevância sob o aspecto musicológico. Elas correspondem ao papel de São José como protetor de famílias e de trabalhadores. Como tratados por pesquisadores brasileiros em conferências proferidas na Alemanha, foram em geral cantos praticados em meio doméstico ou em novenas e atos de cultos em comunidades mais modestas.


Novena de São José do vale do Paraíba


Das obras levantadas em pesquisas no Brasil, uma Novena de São José proveniente de cidades do vale do Paraíba foi uma das fontes examinadas com mais atenção. Trata-se de um documento que, aparentemente, pouco interesse revela para estudos mais pormenorizados pela sua brevidade e simplicidade na sua estrutura e linguagem, por repetições de um canto de cunho oratório, quase que uma oração entoada. Essa novena, com as suas jaculatórias, adquire especial interesse porém pelo fato das partes conterem indicações que permitem reconhecer a estrutura e os sentidos do ato devocional. 


O texto, no seu estilo literário, indica ter origem erudita, possivelmente difundido em publicações religiosas do século XIX e elaborado musicalmente. Nele expressa-se conteúdos que indicam os sentidos da devoção. São José é venerado como aquele que foi pai protetor, que segurou Cristo nos seus braços: Em vossos braços/largos espaçosos/quis descansar quem o mundo criou/(…). Suplica-se que dê sustento, o pão de cada dia. A veneração dirige-se assim sobretudo a São José como protetor de famílias, do lar, da vida quotidiana. 


Compreende-se sob esse aspecto o significado da novena em região ainda não marcada pela industrialização, mas sim pela vida de trabalho agrícola de época marcada pela cultura cafeeira. A novena e suas jaculatórias podem ser assim consideradas sob o aspecto de processos restauradores já em décadas precedentes ao desenvolvimento industrial e do operariado, ou seja, da vida de trabalho no campo.


Aspectos dos debates


Os estudos etnomusicológicos referentes a São José foram conduzidos já no Brasil em estreitas relações interdisciplinares com historiadores da música. Nos estudos que tiveram continuidade na Europa, a atenção foi dirigida à imagem de Pitágoras na oficina do ferreiro que tanto marcou a história de concepções teórico-musicais através dos séculos. Essa lenda, ou interpretação de imagens de antigas origens, diz respeito ao reconhecimento de relações intervalares no bater dos martelos do ferreiro por aquele que passou a ser considerado como inventor da música. 


Essas relações, consideradas com atençao em estudos de tratados conduzidos por Heinrich Hüsche (1915-1983), incentivou estudos imagológicos da Antiguidade e de processos reinterpretativo de antigas imagens na tradição cristã. Considerou-se correspondências com àquela relatada na Gênese referente a Tubal-Caim e à invenção de instrumentos de música.


Desenvolvimentos subsequentes


Em 1978, a veneração de S. José sob o aspecto de concepções musicais foi tratada em diálogos conduzidos em Maria Laach, local em que se situou o centro de estudos do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos, instituição vinculada à Consociatio Internationalis Musicae Sacrae e ao Istituto Pontificio di Musica Sacra, em Roma. 


A abadia de Maria Laach, cujos contatos com o Brasil são de longa data, é, com a sua biblioteca e o Instituto de Estudos de Ciências da Liturgia Abt von Herwegen, não só um centro do cultivo do gregoriano como também de estudos teológicos e eclesiásticos em geral. O lema ora et labora dos Beneditinos traz à consciência o significado do trabalho na cultura religiosa. No âmbito das reflexões e pesquisas do Instituto  fundado em 1977, desenvolvidos em estreito relacionamento com o projeto brasileiro, o mundo de trabalho adquiriu particular significado. 


O estudo da música nas suas relações com a religiosidade popular, com a história e a prática missionária em países extra-europeus, com esferas sociais menos privilegiadas, explica essa atenção à veneração de São José. A situação do instituto, em local marcado pela histórica abadia beneditina às margens do lago na cratera de antigo vulcão da região de Eifel, dirigiu a atenção nos estudos de imagens relacionadas com vulcões e fogo da antiga mitologia. 


Esses estudos, retomando aqueles iniciados por Martin Braunwieser (1901-1991) no Nordeste do Brasil no âmbito da Missão de Estudos promovida pelo Departamento de Cultura de São Paulo, considerou com particular atenção fundamentos imagológicos de concepções e práticas do sincretismo no Brasil. Marco nesses estudos foi o II Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, dedicado ao tema Tradições Cristãs e Sincretismo no Brasil, realizado com a participação de grande número de pesquisadores brasileiros na região do Reno e daquela vulcânica da Eifel, região montanhosa entre o Luxemburgo e as Ardenas.




ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil







Os textos considerados neste programa são relatos suscintos   de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.