A Novena do Espírito Santo, de grande significado na vida religiosa e cultural na Europa e nas regiões colonizadas pelos europeus, manteve-se como a novena por excelência, modêlo primordial de todas as demais, devendo ser as demais consideradas na pesquisa científico-religiosa, empírica e histórica a partir de seu caráter exemplar. 

A prática da realização de orações nove dias antes das grandes solenidades do calendário, de festas de santos ou em outras ocasiões, tem o seu modêlo naquela de Pentecostes. Remonta aos nove dias nos quais os apóstolos, os discípulos de Jesus e Maria oraram na sala da última ceia após a Ressurreição (Apóstolos 1, 13-14). 

A vinda do Espírito Santo aos discípulos de Jesus em forma de chamas de fogo e a sua presença na Igreja, representando assim os seus fundamentos, são concepções determinadoras da linguagem visual do culto, de tradições festivas e de suas expressões musicais. O verter do Espírito Divino e os dons do Espírito pertencem ao núcleo dessas concepções. Para a análises sob o aspecto cultural e demopsicológico deve-se considerar também os dons ou frutos do Espírito que devbem imperar - sabedoria, inteligência, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor -, uma vez que estes dizem respeito a estado de espírito, de mente e de alma, marcando mentalidades e comportamentos.

A Novena do Espírito Santo foi tema tratado em âmbito internacional na Europa desde 1975. Os estudos foram desenvolvidos a partir do Instituto de Musicologia e em cooperações com Instituto Português-Brasileiro da Universidade de Colonia e instituições eclesiásticas. Inseriram-se no projeto brasileiro de desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo processos culturais em contextos globais apoiado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). 

Desenvolvimento dos estudos

As expressões festivas do culto ao Espírito Santo no Brasil foram há décadas objeto de interesse de pesquisadores de tradições e folclore, existindo grande número de estudos a respeito. No Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore foi tema considerado com atenção nos esforços de atualização de concepções nos anos 60 e 70. Um dos aspectos tratados foi o da permanência e transformações de expressões tradicionais em contextos urbanos e metropolitanos, como discutido em colóquio promovido pelo Suplemento Literário de O Estado de São Paulo. Nesse contexto, lembrou-se que também na cidade de São Paulo as expressões tradicionais da Festa do Divino Espírito Santo sempre formam de grande significado, sobretudo, no século XIX, aquelas da Penha, bairro com muitos moradores portugueses. 

A edificação de um „Império“, os signos imperiais utilizados na simbólica da terceira pessoa da Trindade, coroações e cortejos de coroados, a distribuição de alimentos e muitas outras práticas não são ou não são mais conhecidas da Europa continental. Tudo indicaria, assim, que as comunidades nas quais essas tradições são cultivadas tenham recebido essas expressões através de colonos ilhéus e que estas ter-se-iam mantido em gerações que os sucederam. 

Entre as regiões, nas quais a festa do Divino Espírito Santo adquire um significado de especial magnitude no calendário religioso, encontra-se cidades históricas como em Goiás ou, em São Paulo, as do vale do Paraíba. Em várias dessas cidades, como em São Luís do Paraitinga, essas festividades apresentam similares características àquelas dos Açores. 

As concepções de Império e as expressões imperiais na linguagem visual das festas do Espírito Santo, exigindo estudos de seus sentidos, levaram a encontros e diálogos com teólogos e pesquisadores da história eclesiástica referentes à festa de Pentecostes após 50 dias da Páscoa e assim à Terceira Pessoa da SS. Trindade. 

O movimento Nova Difusão, que levou à fundação do Centro de Pesquisas em Musicologia em 1968, procurou propagar uma mudança de paradigmas na pesquisa e na prática através da superação de posicionamentos e perspectivas determinadas por categorizações do objeto. A análise de processos e interações, superando separações de esferas em diferentes sentidos, exigia procedimentos inter- e transdisciplinares entre a pesquisa histórica, baseada em fontes e a empírica. 

A prática oracional das novenas foi de grande significado para a vida religiosa das cidades brasileiras do século XIX. A pesquisa pôde, desde a década de 1960, levantar grande número não só de novenas do Espírito Santo como de novenas para as outras festas principais do ano eclesiástico, de Maria e de santos. Há um repertório considerável que exige estudos a partir dos sentidos de sua prática, de suas concepções fundamentais e de suas funções.

Como salientado em encontros com teólogos nos encontros  a ação e a presença do Espírito Santo são fundamentais para as concepções de música sacra. Já em publicação para os estudantes do curso de Estruturação Musical do Instituto Musical de São Paulo, em 1972, lembrou-se, na ilustração de sua capa, da tradição segundo a qual o Papa Gregorio Magno teria sido inspirado pelo Espírito Santo ao anotar o canto que é designado como gregoriano.

A novena do Espírito Santo nos estudos do século XIX

Os estudos desenvolvidos internacionalmente foram marcados pela atualidade de interesses pelo século XIX. No ano comemorativo dos 450 anos de Palestrina, a atenção dirigiu-se não só ao século XVI, mas também ao XIX, o século marcado pelo movimento restaurativo eclesiástico que se orientava segundo a época tridentina. Esse interesse pelo século XIX não se limitava à esfera sacro-musical. Em andamento encontrava-se, no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia um projeto dedicado à Música na América Latina do Século XIX como parte de um grande empreendimento voltado à música no século XIX em regiões extra-européias. Vários dos colaboradores desse projeto, provenientes de diferentes países latinoamericanos tomaram parte nos estudos referentes ao Brasil

A Novena do Espírito Santo de Francisco Manuel da Silva (1795-1865)

Francisco Manuel da Silva foi compositor considerado com particular atenção no projeto de desenvolvimento de uma musicologia de orientação científico-cultural dirigida a análises de processos em cooperações internacionais iniciado em 1974 na Europa.

Esse interesse excepcional justificou-se não só pelo fato de ser o compositor do Hino Nacional Brasileiro, desempenhando assim um papel emblemático relevante em estudos dedicados ao Brasil na Musicologia instituída universitáriamente em contextos internacionais. Como reconhecido justamente na obra Francisco Manuel da Silva e seu tempo de Ayres de Andrade, publicada em 1967, Francisco Manuel da Silva marcou toda uma época como compositor, regente, professor, organizador e fundador de instituições de primeira importância do Brasil. 

Por essa razão, Francisco Manuel não poderia deixar de ser considerado prioritariamente em anos nos quais se constatava um despertar de interesses pelo século XIX. As pesquisas desenvolvidas na década de 1960, levaram a estudos de obras de Francisco Manuel da Silva pertencentes a repertórios de cidades do vale do Paraíba.

Considerando a Novena do Spirito Sancto em consciência de concepções trinitárias do Espírito Santo e de Pentecostes, constata-se que o compositor não procurou criar uma obra de brilho superficial, teatral, mas sim de dar configuração musical a concepções fundamentais da linguagem visual de Pentecostes, ao rumor que, segundo o texto bíblico é similar àquele de um temporal, ao fogo espiritual que se verte, vivifica e entusiasma. Seria um êrro continuar a desvalorizar obras com acompanhamento orquestral como essa novena sob critérios e perspectivas que as apresentam como exemplos de decadência sacro-musical.

Desenvolvimentos subsequentes

Com a criação do centro de estudos junto à abadia de Maria Laach do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos da Consociatio Internationalis Musicae Sacrae (Roma), a atenção concentrou-se nos sentidos histórico-eclesiásticos e teológicos. A novena do Espírito Santo foi tratada em sessão realizada em São Luís do Paraitinga no Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, em 1981, no âmbito do qual fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia.

O tema foi objeto de colóquios e conferências do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa a partir do Ano Europeu da Música de 1985 e tratado sob o aspecto interdisciplinar nos trabalhos da Academia Brasil Europa, em aulas e seminários das universidades de Colonia e Bonn, entre elas em seminário Música e Religião, em 2002.

ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil