emblema da Universidade de Colonia com a imagem dos 3 reis magos

ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Emblema da Academia Brasil-Europa ABE -Instituto de Estudos da Cultura Musical do mundo de língua portuguesa ISMPS
Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo. Universidade de. Colonia. Presidente da Academia Brasil-Europa. Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa ISMPS

Proprium


BRASIL NA MÚSICA SACRA

MÚSICA SACRA NO BRASIL


PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA
PELOS 50 ANOS DE TRABALHOS INTERNACIONAIS

Gradual e Ofertório para Festa de S. Pedro e S. Paulo. SP. Séc. XVIII

ROMA

1975

Ofertório da Festa de S. Pedro e S. Paulo de São Paulo

Proprium e o Ordinarium são conceitos que dizem respeito à estruturação da missa e dos ofícios, sendo fundamentais para estudos sistematicamente conduzidos não só daqueles concernentes à liturgia, como também e sobreturo daqueles referentes à música sacra. Eles dizem respeito à distribuição dos textos na ordenação do todo (Ordo missae). Enquanto o Ordinarium designa os componentes desse todo cujos textos permanecem constantes ou regulares, sendo proferidos ou entoados em diferentes ocasiões -  Kyrie, Gloria, Sanctus e Agnus Dei - , o Proprium abrange os textos que, nos livros litúrgicos - no missal e naqueles das horas - são específicos à data no calendário ou aos motivos especiais celebrados. 


Ao Proprium pertencem o Introitus, o Graduale com o Alleluia - na Quaresma o Tractus - o Offertorium e o Communio. Essas partes são intercaladas pela oração do dia, por leituras, e incluiem em algumas festas a Sequencia, a Secreta, a Prefação e o Post Communio. 


O Proprium é diferenciado segundo aquele de Tempore e o Sanctorum (de Sanctis). O Proprium de Tempore diz respeito a textos e cantos que correspondem nos seus sentidos àqueles de domingos, dias da semana e dias festivos, o Proprium Sanctorum àqueles mais especificamente do culto de santos, a êles se somando textos de festas particulares de igrejas ou comunidades. 


Significado 


O Proprium adquire especial relevância para estudos culturais, uma vez que os textos se relacionam mais diretamente com datas do calendário, práticas de culto e tradições próprias de determinadas igrejas, comunidades e localidades. Diferentemente das partes fixas do Ordinarium que, sempre se repetindo, referem-se ao geral e também a unidade no todo, aquelas do Proprium dizem respeito ao específico, ao particular nesse todo e, assim, à diversidade.


Os estudos do Proprium, sobretudo sob o aspecto musical, confrontam-se com dificuldades decorrentes justamente da especificidade dos textos e seus sentidos. Com relação ao Brasil, essas dificuldades foram constatadas e discutidas no âmbito do desenvolvimento de estudos musicológicos na década de 1960 e tiveram continuidade em centros europeus de estudos de liturgia e música sacra a partir de 1974, assim como no Pontificio Istituto di Musica Sacra em Roma. 


Desenvolvimento dos estudos


A missa e de suas partes foi um dos principais objetos de estudos do Gregoriano e da música sacra em geral em grupo de trabalho instituído no Centro de Pesquisas em Musicologia de São Paulo em 1968. Os trabalhos contaram com a colaboração de teólogos, especialistas em música sacra e pesquisadores culturais, assim como de instituições como o Instituto Pio X, a Faculdade Sedes Sapientiae, o Studium Theologicum do Paraná e dos mosteiros de São Bento de São Paulo e do Rio de Janeiro. Para além do levantamento e estudo da vasta literatura existente, a atenção foi dirigida ao estudo de arquivos e acervos particulares, procedendo-se ao exame de fontes histórico-musicais da composição de missas no Brasil. 


Problemas e reflexões


Nessas pesquisas, constatou-se a discrepância quanto ao número de fontes musicais concernentes às partes componentes do Proprium relativamente àquelas do Ordinarium. Grande parte - quase que a totalidade - das composições de missas conservadas em arquivos ou levantadas em pesquisas incluiam apenas partes do Ordinarium. Mesmo as missas votivas, dedicadas a determinados santos e relacionadas com devoções próprias de igrejas e localidades compreendiam em geral apenas as partes do Ordinarium. 


Como então discutido, era compreensível que compositores tenham-se mais dedicado na sua produção à criação de obras que pudessem ser executadas mais regularmente e em diferentes contextos ou localidades. As partes do Proprium eram então entoadas em gregoriano ou recitadas. 


Entre as questões levantadas, salientaram-se aquelas de natureza estrutural, referentes à ordenação das partes da missa. As missas estudadas em arquivos ou levantadas em pesquisas compreendiam apenas o Kyrie e o Gloria, sendo o Credo, o Sanctus e o Agnus Dei em geral tratados à parte. Esse costume mereceu consideraçãoes especiais relativamente à configuração da missa segundo outros critérios, ou seja, aqueles concernentes a ritos iniciais, à liturgia da palavra e à liturgia eucarística. 


Em nível superior, essa problemática foi tratada em cursos de Estruturação da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo, assim como de História da Música para pós-graduados entre 1972 e 1974. A análise de missas do passado histórico-musical europeu, assim como o estudo da literatura musicológica especializada foram conduzidos em estreita colaboração com o Collegium Musicum de São Paulo.


Livros litúrgicos no Brasil 


Uma particular atenção foi dada aos livros litúrgicos consultados em arquivos ou levantados na pesquisa. Vários mestres de coros e orquestras de igrejas possuiam missais e outros livros, pelos quais se orientavam. O seu estudo permitiu reconhecer a difusão de edições nas suas inserções na história eclesiástica. Uma dessas edições foi aquela utilizada por Verissimo Gloria, renomado mestre de música sacra em irmandades e de banda da primeira metade do século XX e que, com as suas anotações, permite constatar a difusão da Editio Vaticana em São Paulo. 


Novas edições de livros litúrgicos


Considerações sobre livros litúrgicos nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II marcaram as reflexões em meios dedicados a questões sacro-musicais na musicologia tanto no Brasil como na Europa. Os livros da abadia beneditina de Solesmes tinham permanecido em uso até 1973. O Liber Usualis, publicado em várias edições entre 1896 e 1964, reunia o Graduale e o Antiphonale. constituindo o fundamento de estudos e da prática. 


O Liber Usualis tinha sido, no Brasil, o livro básico de estudos do círculo de estudos do Gregoriano e música sacra do Centro de Pesquisas em Musicologia. O Liber Usualis inseria-se na tradição dos estudos de Solesmes, marcados que foram pelo vulto de D. André Mocquereau (1849-1930). O resultado de seus estudos já se tinha feito sentir na Editio Vaticana, a edição do Gradual de 1908 e que, após o Motu Proprio de Pius X de 1903, renovava a edição Medicaea de 1614.


Com a reconfiguração do calendário e das modificações trazidas pela Constituição Sacrosanctum Concilium, Solesmes publicou um nova edição em 1973, que incluia ainda os sinais rítmicos fundamentos nos estudos e nas concepções tradicionais de D. Mocquereau. 


No Graduale Triplex, essa obra de Solesmes incluiu neumas de manuscritos de Laon e St. Gallen. Essas publicações deram ensejo a reorientações nos estudos do Gregoriano no Brasil, sendo elas conduzidas pela pesquisadora e gregorianista Eleanor Florence Dewey (Mère Marie du Redempteur), fundadora do Coral Gregoriano de São Paulo da Nova Difusão. A partir de 1976, realizou estudos em Roma, atuando no debate sobre a pesquisa gregoriana em diversos países europeus. Os encontros realizados desde então foram decisivos para o desenvolvimento dos estudos musicológicos do gregoriano nas suas relações com o Brasil. Realizaram-se concomitantemente com a pesquisa semiológica então em desenvolvimento. Em 1975 formou-se um grupo de trabalho da Sociedade Internacional para Estudo do Canto Gregoriano (AISC). 


O Proprium em processos restaurativos no século XIX


A focalização em particular do século XIX nos estudos culturais referentes ao Brasil em contextos globais, dirigiu a atenção às correntes restaurativas católicas nos seus diferentes aspectos e na sua processualidade. Os anelos restaurativos manifestaram-se não apenas na recepção de correntes do pensamento e da prática européia do século do Historismo, em particular do Cecilianismo nas suas diversas contextualização, mas sim também na revalorização de obras do passado mais remoto de tradições locais consideradas como adequadas à dignidade do culto segundo segundo as perspectivas retroativas do século do Historismo. Esses intentos marcaram compreensivelmente sobretudo a prática catedralícia ou em igrejas que passaram a ter caráter modelar e seminários. 


As pesquisas realizadas no Centro de Pesquisas em Musicologia a partir de estudos de arquivos, entre outros do Conservatório Dramático e Musical e da Curia Metropolitana de São Paulo, deram testemunho do cultivo ou redescobrimento de obras do passado mais remoto, e.o. do Pe. José Maurício Nunes Garcia ou do antigo mestre-de-capela da matriz André da Silva Gomes. Essa preocupação por um repertório sacro-musical adequado ao culto marcou a prática sacro-musical em celebrações capitulares. 


Gradual e Ofertório para a Festa de São Pedro e São Paulo


Os estudos de composições para o Proprium partiram de exemplos de um Gradual para a Festa de São Pedro e São Paulo pelo seu significado para a história da Igreja e da cidade.  Trata-se de uma obra para Soprano a 3, Altus a 3, Soprano a 3, Baixo a 3, 2 Violinos, Contrabaixo, Flauta, Clarineta em Sib, Clarineta em Do, Trompas em Mi b e em Fá e Oficleide, assim como órgão.


Essa obra, transmitida em cópias sem indicação de autor, era atribuída em tradição oral a André da Silva Gomes, antigo mestre da Sé de São Paulo. Essa atribuição permitiu conjecturas quanto às suas origens. A sua linguagem musical e sobretudo o Baixo Cifrado na parte do órgão remete ao século XVIII. Recopiada no dia 27 de junho de 1888, poucos dias antes da Festa de São Pedro e São Paulo, surge como um documento do redescobrimento ou revalorização de obra do passado mais remoto.


A obra revela um alto nível alto de conhecimentos e de formação do compositor e do organista encarregado de sua realização, possivelmente B.A. do Espírito Santo, nome daquele que surge nas partes. Ela difere aspecto teórico-musical, composicional e de tratamento do texto de grande parte de composições sacro-musicais de músicos paulistas segunda metade do século XIX, já em muitos casos criadas por mestres sem maiores conhecimentos de contraponto, de baixo cifrado e que partiam do piano no seu processo criativo.


Festa de S. Pedro e S. Paulo nos estudos paulistas 


O Gradual e Ofertório para a Festa de São Pedro e São Paulo adquire particular relevância para os estudos musicológicos referentes a São Paulo sobretudo pelo fato de dizer respeito ao apóstolo segundo o qual a cidade e o Estado são denominados. A festa refere-se à chegada das relíquias de Pedro e Paulo em Roma, considerados como Príncipes dos Apóstolos. 


No Brasil, a festa de 29 de junho tem sido considerada nos estudos culturais sobretudo sob o aspecto da festa de São Pedro, marcada por grandes celebrações, festividades e tradições populares, encerrando o período das festas juninas. 


Tendo sido objeto de pesquisas sobretudo sob o aspecto do folclore, ela exige estudos que considerem o seu significado para a Igreja e para o clero em geral. Petrus é venerado como fundamento da Igreja (Mt 16,18), fundador e cabeça da Igreja em Roma, Paulo é o apóstolo dos povos. Em muitas igrejas, escolhe-se essa data para a ordenação de sacerdotes, o que leva à congregação de autoridades do clero, cônegos e noviços. 


O texto do Gradual - Constitues eos principes super omnem terram - recorrente ao Salmo 44 (17,18), revela as referências bíblicas dessa designação e o seu significado para as autoridades eclesiásticas e o clero em geral. O texto do Ofertório recorre àquele do Constitues eos principes, tratando musicalmente a expressão Memores erunt nominis.


Igreja de São Pedro dos Clérigos em São Paulo


A festa de São Pedro e São Paulo adquiriu grande significado na vida religiosa e eclesiástica de São Paulo. Era celebrada na igreja de São Pedro e São Paulo, dos Clérigos, que se levantava ao lado da antiga Sé. Na festa de São Pedro e São Paulo, ali se congregavam as autoridades eclesiásticas, o Cabido e o clero em geral. É compreensível que obras de mais antiga tradição da música catedralícia, de maior exigência quanto à execução, mais vetustas, de maior autoridade e sobriedade tenham sido ali executadas. Um das personalidades que mais se salientaram da vida sacro-musical da Igreja dos Clérigos foi Pedro Gomes Cardim, compositor português que desempenhou papel relevante na vida musical de São Paulo em fins do século XIX e início do XX e cabeça de uma família que marcou por décadas as instituições paulistas.


Com a Sé, a Igreja de São Pedro e São Paulo determinava um espaço central na ordenação religioso-cultural de São Paulo. Com a demolição da antiga Sé e da igreja dos Príncipes dos Apóstolos, a cidade perdeu importante núcleo de sua organização urbana, dificultando a consecução de estudos culturais. O Gradual e o Ofertório da Festa de São Pedro e São Paulo permite relembrar o significado da festa de São Pedro e da igreja dos Clérigos na vida religiosa e cultural da urbe.




ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil



Os textos considerados neste programa são relatos suscintos   de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.