emblema da Universidade de Colonia com a imagem dos 3 reis magos

ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Emblema da Academia Brasil-Europa ABE -Instituto de Estudos da Cultura Musical do mundo de língua portuguesa ISMPS
Catedral de Colonia
Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo. Universidade de. Colonia. Presidente da Academia Brasil-Europa. Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa ISMPS

Resurrexit sicut dixit


BRASIL NA MÚSICA SACRA

MÚSICA SACRA NO BRASIL


PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA
PELOS 50 ANOS DE TRABALHOS INTERNACIONAIS


Resurrexit sicut dixit. Vale do Paraíba. Séc. XVII/XVIII

Matinas da Ressurreição, Elias Álvares Lobo (1834-1901)


MANNHEIM - WORMS

1975

O mais antigo documento do Resurrexit sicut dixit do Brasil
Teto da Igreja da Boa Morte. São Paulo. Foto A.A.Bispo

Resurrexit sicut dixit, responsório e antífona, foi tema de estudos e colóquios realizados a partir de 1974 na Europa. Foi um dos aspectos considerados no estudo da antífona mariana Regina coeli laetare.  Os colóquios inscreveram-se em projeto de desenvolvimento de estudos culturais de condução musicológica e reciprocamente de uma musicologia orientada segundo estudos culturais em contextos em cooperações internacionais elaborado no Brasil. Basearam-se em materiais levantados em pesquisas efetuadas no Centro de Pesquisas em Musicologia em São Paulo desde a década de 1960 e discutidos em cursos na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo. O projeto foi sediado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. 


A concentração das atenções a questões de musica sacra e ao século XIX na pesquisa decorreram da atualidade dos debates. Um projeto editorial de obra sobre as culturas musicais da Améria Latina no século XIX encontrava-se em andamento em Colonia. As mudanças na prática sacro-musical decorrentes de desenvolvimentos eclesiásticos nos anos que se seguiram ao Concílio, em particular na América Latina levantavam questões. Em simpósio realizado em Roma por ocasião do ano Palestrina pelos seus 450 anos trouxera à consciência a necessidade de reconsideração de perspectivas remontantes ao século XIX nos estudos concernentes à música sacra, em particular nos países extra-europeus. 


Resurrexit sicut dicit e Surrexit Dominus


Ambas expressões encontram-se no texto da antífona Regina caeli laetare, exigiram porém considerações diferenciadas.


Regina caeli, laetare, alleluia. Quia quem meruisti portare, alleluia. Resurrexit, sicut dixit, alleluia. Ora pro nobis Deum, alleluia. Gaude et laetare, Virgo Maria, alleluia. Quia surrexit Dominus vere, alleluia 


As razões da alegria são expressas duas vezes, Quia quem meruisti portare - Resurrexit sicut dixit e em Quia surrexit Dominus vere. Refere-se aqui ao Surrexit Dominus do canto Surrexit Dominus vere alleluia alleluia et apparuiti Petro, alleluia, alleluia, alleluia, alleluia (Lucas, cap. 24, verso 34).


Em ambos os casos, trata-se da Ressurreição e da alegria, porém com diferentes acentos quanto a sentidos. Na antífona Regina caeli, diz respeito à alegria de Maria, já como rainha dos céus após a sua assunção, fundamentada no fato do seu Filho ter ressuscitado, em Surrexit Dominus vere ao surgimento do Ressucitado a Pedro. Constata-se uma diferença temporal de acontecimentos e situações, o do aparecimento em vida dos discípulos e a causa da soberania de Maria após a sua morte e assunção.


O Resurrexit como parte da antífona Regina caeli exige que seja considerado no contexto das antífonas marianas Alma Redemptoris Mater, Ave Regina, Regina Coeli e Salve Regina, assim como do Sub tuum praesidium. Este canto é entoado entre o domingo de Páscoa e Pentecostes em lugar do Angelus Domini.


Surrexit Dominus vere alleluia, alleluia, sicut dixit nobis, alleluia, alleluia é praticado como responsório e antífona ao Invitatorium do tempo pascoal. O canto é entoado no ato da benção de água e na sua aspersão, também no decorrer de procissões, um costume que, codificado no Processionale, não foi apenas praticado em conventos.


Desenvolvimento dos estudos


A atenção ao Resurrexit sicut dixit foi suscitada por um documento da tradição paulista proveniente do vale do Paraíba e estudado desde 1968 em grupo de trabalho dedicado ao Gregoriano e á música sacra em geral do movimento Nova Difusão e de seu Centro de Pesquisas em Musicologia


O movimento tinha como objetivo renovar perspectivas nos estudos culturais e musicais através de perspectivas e procedimentos interdisciplinares. Uma nova forma de pensar, dirigida a processos, e não a categorizações de áreas e esferas devia ser promovida e difundida. Os estudos sacro-musicais, ainda marcados por concepções pré-conciliares, deveriam ser atualizados segundo perspectivas então discutidas. 


Os trabalhos foram conduzidos em cooperação com pesquisadores de diferentes áreas e vinculados a diferentes instituições como a Faculdade Sedes Sapientiae e o Instituto Pio X do Rio de Janeiro. As fontes levantadas em pesquisas foram examinadas no âmbito do Collegium Musicum de São Paulo. Em nível superior, esse repertório foi considerado na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo através do Coro e Orquestra de Música Sacra Paulista então fundado.


Estudos do século XIX


Os estudos desenvolvidos no Brasil desde a década de 1960 e a sua continuidade na Europa a partir de 1974 focalizaram sobretudo o século XIX. Essa concentração de interesses foi em ambos os contextos motivada pelas questões e preocupações decorrentes da reforma da Semana Santa e das mudanças litúrgico-musicais decorrentes do Concílio Vaticano II. Concepções e práticas até então vigentes e que tinham marcado décadas, também nos estudos culturais e musicais, passaram a ser revistas. A atenção passou a ser dirigida a processos  remontantes ao século XIX como século da Restauração. Os estudos voltaram-se à difusão e assimilação de impulsos e preceitos eclesiásticos através de ações dirigidas pelas autoridades e clero, sobretudo de ordens religiosas européias, e suas extensões no XX, cujo marco foi o Motu Proprio de Pio X (1835-1924) de 1903.


Esse direcionamento da atenção ao século XIX que marcou as reflexões e estudos no Brasil passou a marcar também o programa desenvolvido internacionalmente pelo fato de corresponder à atualidade de questões motivadas pela celebração dos 450 anos de G. P. da Palestrina em 1975. Essa rememoração de Palestrina, de sua época e das reformas sacro-musicais do Concílio de Trento implicaram necessariamente na consideração da vigência de referenciais em continuidades através dis séculos e, em particular no âmbito dos processos restauradores do século XIX, em particular do Cecilianismo. 


Essas revisões de concepções e práticas inseridas inseridos em processos remontantes ao século XIX no debate sacro-musical correspondeu a um interesse geral pela reconsideração do século XIX na musicologia, em particular nos estudos referentes a países extra-europeus. Significativamente, encontrava-se em andamento na área de Etnomusicologia do instituto de Colonia um projeto de título Culturas Musicais na América Latina do século XIX.


A mais antiga fonte


A fonte que suscitou estudos no Brasil e posteriormente na Europa é um brev e canto a 4 vozes, conservado sem partes instrumentais e sem indicação de compositor. Apesar de sua brevidade e simplicidade, reconheceu-se o considerável significado histórico-musical desse documento. O manuscrito traz indicação de ter pertencido ao repertório de procissão da festa da Ressurreição de cidades como São Luís do Paraitinga e Cunha.


Junto a êle conservou-se um outro canto, de texto Surrexit Dominus vere, também com similares características.


O canto é dividido em duas partes - Resurrexit Dominus (…) e sicut dixit (…). O  canto chamou a atenção devido ao tratamento retórico do texto. A palavra Resurrexit é repetida em grau ascendente, expressando o movimento do subir, do levantar e resurgir, o sicut dixit é explanado como que recitado ao redor de um tom; a figura melódica do Alleluia da primeira parte é retomada no fim do sicut dixit. Apesar da sua singeleza, o Ressurexit Dominus revela ter sido composto de forma refletida e consciente.


De autor incerto, a obra traz  a indicação de Tolledo, podendo ser o copista da obra. O nome é difundido em várias famílias da região, não tendo podido ser identificado com precisão no estado dos estudos genealógicos até então desenvolvidos. As tentativas partiram da presença de portadores desse sobrenome em Cunha no século XIX, mas dirigiram-se a Taubaté, Pindamonhangaba e a Mogi das Cruzes. 


Nesses estudos, a atenção voltou a Timóteo Correa de Toledo (1699-1788) personalidade influente na vila de Taubaté, fundador da capela de Nossa Senhora do Pilar em 1747, posteriormente dirigida por um sacerdote da sua família. Os estudos encontraram dificuldades pelo fato de haver outros membros dessa família com o mesmo nome. Lembrou-se de Timóteo Correa de Toledo, nascido em 1703 em Taubaté, tendo vivido em São João del Rei, e que foi posteriormente vigário em Pindamonhangaba, teve como filho o Pe. Timóteo Correa de Toledo. 


Marianismo de tradição espanhola


Apesar de todas as inseguranças e dúvidas nos estudos, o nome e o contexto indicavam origens espanholas. O culto de Nossa Senhora do Pilar em Taubaté também revela a veneração da padroeira da Espanha em meios castelhanos de São Paulo e do vale do Paraíba. De antigas origens, o culto remonta à tradição de que Maria, apareceu ao apóstolo Santiago ano 40, chegando a Saragossa ainda em vida, antes de sua assunção, deixando como testemunho um pilar. Esse culto remonta às primeiras conversões, á construção da primeira capela, rústica, e assim ao ínício da história cristã de Saragossa, sendo celebrada no dia 12 de outubro. 


Essa tradição adquire particular interesse nas reflexões referentes ao Resurrexit e ao Surrexit Dominus vere. Maria surge nela como aquela que transmite a boa nova da Ressurreição ao apóstolo. Estabelece-se assim uma relação entre o marianismo da antífona Resurrexit e o Surrexit que focaliza Pedro e assim os discípulos.


Essas origens espanholas do documento é corroborada pelo fato da parte do soprano ser grafada como sopraño. Segundo essa suposição, o Resurrexit representaria a permanência, no século XIX, de uma tradição provinda de séculos anteriores. A questão que se levantava era a se o Resurrexit teria sido trazido da Península Ibérica á época da União Pessoal entre a Espanha e Portugal (1580-1640), remontando assim ao séculos XVI ou XVII. Se essa hipótese pudesse ser comprovada, ter-se-ia aqui um documento que, apesar de sua simplicidade, adquiriria um grande significado histórico-musical. Seria uma das mais antigas fontes até então encontradas no Brasil.


Desenvolvimentos subsequentes


A produção sacro-musical de Elias Álvares Lobo (1834-1901) e a sua posição e influência em processos culturais restaurativos em São Paulo foram consideradas em colóquios de doutoramento em musicologia na Faculdade de Filosofia da Universidade de Colonia em 1970. Entre as obras consideradas, destacaram-se as Matinas da Ressurreição. A tese foi motivo e fundamento da realização do I Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo, no âmbito do qual fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia. No seu programa, discutiu-se a obra sacro-musical de Elias Álvares Lobo. 


Nos anos que se seguiram, a sua produção na música sacra no Brasil foi considerada sob o aspecto etnomusicológico em trabalhos conduzidos em Maria Laach sob oirientação brasileira no Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos vinculado à Consociatio Internationalis Musicae Sacrae e ao Istituto Pontificio di Musica Sacra em Roma. 


Elias Álvares Lobo e a música no contexto pascoal em contextos globais da pesquisa lusófona foram intensificados desde a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS) em 1985. O assuinto foi discutido em simpósios, aulas e seminários referentes às relações entre música e religião nas universidades de Colonia e Bonn a partir de 1997.




ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil








Os textos considerados neste programa são relatos suscintos   de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.