ANAIS
Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo
As Sete Palavras de Jesus Cristo na Cruz é uma outra designação para o ato devocional denominado de Três horas da agonia ou Três horas de agonia de N. Senhor Jesus Cristo. Nos estudos desenvolvidos no Brasil desde a década de 1960 e posteriormente a nível internacional em centros de pesquisas da Europa e instituições eclesiásticas, em particular no Istituto Pontifício di Musica Sacra, em Roma, as Sete Palavras foram consideradas sob outros aspectos daqueles que marcaram os estudos das Três horas da agonia.
A razão desse procedimento residiu por um lado no direcionamento da atenção ao tempo, às três horas da agonia, por outro às palavras, as sete proferidas por Jesus na Cruz. Essa consideração especial das Sete Palavras justificou-se porém sobretudo pelo fato de dirigir a atenção à recepção da tradição italiana e ao papel por ela exercido no movimento restaurativo do século XIX no Brasil. Essa recepção da tradição das Sette Parole che disse Gesù Cristo sulla Croce é documentada por opúsculos e textos publicados na Itália e conservados em acervos particulares e de igrejas. Considerando-se especialmente as Sete Palavras, a atenção dirige-se a questões da influência de religiosos e ordens italianas no contexto da restauração no século XIX e também à imigração italiana ao Brasil.
Os estudos adquirem neste sentido uma orientação explicitamente voltada a processos sócio-culturais. Adquiriram significado no âmbito de projeto que procurava contribuir ao desenvolvimento de estudos culturais de condução musicológica em contextos globais e, reciprocamente, de estudos musicológicos orientados segundo processos culturais.
A prática e as obras que tratam das Sete Palavras adquiriram particular interesse em estudos voltados a processos restauradores eclesiásticas no século XIX e seus pressupostos no XVIII, correspondendo assim ao reconhecimnento da necessidade de estudos mais diferenciados do século da Restauração na Musicologia e nos Estudos Culturais que se faziam sentir na década de 1970. Por outro lado, dirigiam a atenção à Itália e à imigração italiana, o que vinha ao encontro do interesse pelo século XIX na Etnomusicologia de orientação interdisciplinar, o que se expressava na edição da obra As Culturas Musicais na América Latina do século XIX em andamento na Universidade de Colonia.
As Sete Palavras. referinco-se explicitamente áquelas proferidas por Jesus Cristo na cruz, adquire um significado extraordinário, constituindo uma das expressões mais pungentes da Semana Santa. A música das Sete Palavras constitui sob muitos aspectos o momento de maior dramaticidade de expressões que marcam essa época do calendário, das semanas que precedem a Semana Santa, sobretudo após o quinto domingo da quaresma, o o Domingo da Paixão (Dominica de passione). Este domingo também conhecido como Judica segundo as primeiras palavras do seu Introito (Salmo 43,1). A Semana Santa surge em inúmeras ocalidades da Península Ibérica e da América Latina como ponto alto do calendário religioso, o que se manifesta no aparato e expressividade dessas solenidades, litúrgicas, paraliurgicas e atos devocionais particulares e de irmandades.
A dramaticidade inerente aos fatos rememorados e as expressões emotivas não só impressionam como também movem emoções, marcando de forma passional a vida de indivíduos e coletividades. Elas fomentam a compaixão e a compunção, a participação interna nos sofrimentos de Cristo, assim como a intenção de trazer a própria cruz na existência, determinando estados de espíritos e psíquicos que marcam concepções e modos de vida. As expressões passionais que se evidenciam nas imagens, têm o sentido não o de representar ou simbolizar, mas o de atuar no interior daqueles que as contemplam, fomentando essa co-participação emocional no sofrimento. As imagens de Nossa Senhora das Dores, da Mater dolorosa, altamente veneradas, levam à empatia com o sofrimento da mãe que padece as sete dores na sua vida e que culminam com a crucificação de seu Filho.
Desenvolvimento dos estudos
Ponto de partida dos estudos das Sete Palavras no Brasil nas suas rleações com o restauracionismo italiano foi uma publicação das Sette Parole trazida pelo sacerdote Pe. Antonio Honorati e por êle traduzida ao português sob o título As sete palavras de N.S. Jesus Christo no Calvário, introduzindo-a na cidade de Itú, um dos principais centros da reforma eclesiástica e da restauração católica em São Paulo, província marcada pela imigração italiana no século XIX.
A partir desse opúsculo e de sua tradução, e a partir de indicacões precisas quanto a expressões a serem consideradas no tratamento musical do texto, o compositor Elias Álvares Lobo (1834-1901), o mais destacado representante da música sacra paulista, compôs as suas Três horas de agonia.
O sacerdote Antonio Honorati pertencia a renomada e influente família da Toscana, cujos membros desempenharam importante papel sob o pontificado de Pio VII. (1742-1823) e assim do movimento restaurador. A ordem dos Servitas (Ordo Servorum Mariae), remontante ao século XIII em Florença, revela o significado da devoção mariana que também marcou a vida religiosa e musical de Itú, assim como a obra de Elias Lobo.
Esses elos com a Itália foram mantidos nas décadas seguintes, como comprova um texto sobre as 7 palavras na cruz impresso em Lucca, no qual se comunica a concessão de indultos do Pio VII (1742-1823) àqueles que praticassem essa função devocional e difundisse as 7 palavras. Esse documento menciona também à data dessa prática na semana seguinte à Paixão. A função na igreja dos Servitas de Lucca dava-se ás 12 horas da sexta-feira. Começava com o hino Veni Creator Spiritus. O pregador fazia a introdução,os músicos cantavam o Invitatório, no qual se convidada os fiéis de vir ver e escultar as últimas palavras de Cristo (Giá trafitto in duro legno).
Erudição e estudos religiosos
As anotações de Elias Lobo revelam a sua erudição e o seu empenho em estudar a história bíblica nas suas relações com a geografia da Terra Santa. Também revelam o cuidado dispensado a aspectos visuais de representações. Esses estudos do compositor indicam a sua atuação no ensino de cantores nos ensaios. Uma atenção foi dedicada sobretudo ao abalo da natureza com a morte de Jesus. Cita Dionisius Aeropagita ao referir-se à perturbação dos elementos. Um navio que estava navegando contara que, em alto mar, uma voz misteriosa falava de modo a todos ouvirem que o tinham matado.
Os rascunhos deixados por Elias Lobo denotam o cuidado dispensado na ordenação da obra em correspondência ao conteúdo das sete palavras. Essas anotações constituem um dos raros esboços que revelam caminhos composicionais de músicos do século XIX.
Introito Jaz pregado no duro lenho (…). adagio. Música de una exoressão enérgica e cruel ou decidido. Coro. Segue Vos, que a Elle sois fiéis. Duetto de tenor e contralto, coro
1° palavra. Pae, perdoai-lhe porque não sabem o que fazem (…), Música- Andante. Coro e solo de soprano
2° palavra. Em verdade vos digo (…). Sermão. Adágio ou Andante religioso. Música solo de soprano (ou baixo)
3a. Palavra. Mulheres aqui teu filho. Abda,te. Música solo de soprano
4a. Palavra. Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste (….). Adagio, solo. baixa. Trecho de música característica
5a. Palavra. Tenho sêde (…). Solo de soprano. Andante. Delicado trecho musical
6a. Palavra. Tudo está consumado (…). Solo de tenor e coros
7a. Palavra. Pae, em tuas mãos encomendo (…). Adagio e concertado a vozes. Trecho musical de profundo sentimento. Na expressão Jesus morreo! Jesus morreo!. Dueto de soprano e contralto.
A influência italiana pode ser percebida também no tratamento musical do texto por Elias A. Lobo. O compositor partiu no seu processo criativo da melodia, e esta revela a recepção de composições lírico-dramáticas. O ponto culminante desse dramatismo trágico que perpassa toda a composição é alcançado na movimentação ascendente e descendente do vocalizo final das palavras que encerram a obra.
Os textos considerados neste programa são relatos suscintos de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.