emblema da Universidade de Colonia com a imagem dos 3 reis magos

ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Emblema da Academia Brasil-Europa ABE -Instituto de Estudos da Cultura Musical do mundo de língua portuguesa ISMPS
Pietà. Basílica de S. Pedro. Vaticano
Pietà. Basílica de S. Pedro. Vaticano
Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo. Universidade de. Colonia. Presidente da Academia Brasil-Europa. Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa ISMPS

Stabat Mater


BRASIL NA MÚSICA SACRA

MÚSICA SACRA NO BRASIL


PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA
PELOS 50 ANOS DE TRABALHOS INTERNACIONAIS


Stabat Mater. Manoel da Costa Cabral 1872



1975


Stabat Mater do vale do Paraíba São Paulo. Pesquisa A.A.Bispo
Stabat Mater do vale do Paraíba São Paulo. Pesquisa A.A.Bispo

O Stabat Mater, a partir de pesquisas realizadas no Brasil, foi objeto de estudos desenvolvidos no pojeto de estudos musicológicos e culturais desenvolvido a partir de 1974 na Europa. O escopo desse projeto foi o de contribuir ao desenvolvimento de estudos culturais de condução musicológica e, reciprocamente, de uma musicologia orientada segundo estudos culturais em contextos globais. O projeto deu continuidade a estudos anteriormente desenvolvidos no Brasil. Os estudos partiram de fontes inéditas levantadas em pesquisas realizadas desde a década de 1960. 


O projeto foi sediado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia e conduzido em estreitas colaborações com pesquisadores do Brasil, de Portugal, da Alemanha e de outros países, assim como de instituições eclesiásticas. Marco inicial no desenvolvimento dos estudos culturais referentes a questões musicológicas no contexto do Catolicismo foi ciclo de estudos realizado em Roma à época da Semana Santa e do período pascoal em março e abril de 1975.


Significado


Os estudos do Stabat Mater podem contar com grande número de publicações em diferentes áreas da pesquisa histórica, literária, religiosa e sacro-musical, assim como com estudos dedicados às muitas obras criadas por compositores de todas as épocas, entre êles pelos mais destacados vultos da História da Música.


A autoria do Stabat Mater tem sido questionada. Foi em geral atribuída a diferentes autores, entre elas ao Papa Inocência III (1210), a Iacopone da Todi  OFM († 1306) e G. Bonaventura OFM  († 1274), o que o insere em contexto do Franciscanismo. Essas atribuições foram registradas também em estudos de história da música. A difusão do Stabat Mater em regiões extra-européias à época dos Descobrimentos explica-se sobretudo pelo fato de ter sido incluída no Missale Romanum em 1521. Foi praticado como um canto processional de penitentes e nos Passos. No Concílio de Trento ( 1545-1563), como a maior parte das sequencias, foi banido. Em 1570, manteve-se no Missale Romanum como canto na Sexta-Feira Santa e assim foi praticado também em regiões extra-européias.. 


A sua permanência e difusão pode ser estudada sobretudo no contexto da veneração de Nossa Senhora das Dores, intensiva na Península Ibérica, sobretudo na Espanha. Em 1727, com a instituição da festa das Sete Dores de Nossa Senhora (Septem Dolorum Beatae Mariae Virginis) sob o pontificado de Bento XIII (1649-1730), o Stabat Mater passou a ser cantado como sequencia na missa e como hino no Breviário. Essa data é de grande significado para a história da veneração das Dores e do seu Setenário,  de tão grande significado para países ibéricos e suas colonias. 


Desenvolvimento dos estudos


O Stabat Mater passou a ser considerado com mais atenção em estudos histórico-musicais desenvolvidos em São Paulo na década de 1960 em decorrência de reformas da Semana Santa e, em particular das mudanças litúrgico-musicais que se seguiram ao  Concílio Vaticano II. O Stabat Mater era mencionado em livros e cursos de História da Música, podendo-se contar também com publicações de cunho religioso. 


Obras dedicadas ao Stabat Mater de grandes compositores eram executadas em concertos e faziam parte do repertório de ensino de canto, destacando-se o Stabat Mater de G. Rossini (1792-1868). O Stabat Mater era cantado em muitas igrejas à época da Quaresma, em particular na sexta-feira após o Domingo da Paixão (Judica), assim como na Sexta-Feira Santa, assim como em festas e atos devocionais devotadas a Nossa Senhora das Dores, em especial os setenários e novenas para a sua festa de 15 de setembro. 


A mais significativa dessas práticas e solenidades em São Paulo eram aquelas da Irmandade da Boa Morte, possuidora de histórica e expressiva imagem da Mater dolorosa, uma das últimas que ainda conservavam a tradição da música sacra com acompanhamento orquestral em São Paulo em fins da década de 1960. O Stabat Mater era cantado em práticas devocionais dedicadas à meditação das sete dores de Nossa Senhora no âmbito dos mistérios dolorosos em irmandade que era marcada sobretudo pela meditação dos mistérios gloriosos de Maria.  As obras ali executadas eram marcadas pela sua acentuada expressividade emocional, com grandes expansões lírico-passionais, selientando-se um Stabat Mater do compositor paulista João Gomes Júnior, professor do Instituto Musical de São Paulo.  


Devotos e músicos que ali atuavam passaram a preocupar-se com a manutenção dessa antiga tradição, de tanto significado para a irmandade. Já há muito tinha sido o canto do Stabat Mater alvo de críticas por parte do clero, que nele viam uma expressão da música teatral nas igrejas, uma vez que nelas também se executavam obras de renomados compositores de óperas como Pergolese ou Rossini. 


O canto do Stabat Mater era um ponto alto do canto solístico nas igrejas, estudado e interpretado por cantoras de altas qualidades técnico-vocais. A reforma da Semana Santa, entre elas aquelas que suspenderam práticas do Domingo da Paixão (Judica), quinto da Quaresma, e sobretudo as medidas contra o uso do latim tomadas por representantes do clero no anos pós-conciliares colocavam em risco a manutenção do canto do Stabat Mater.


Justamente o fato do Stabat Mater ser cantado tanto em salas de concerto como em igrejas foi um dos motivos que levaram à sua consideração mais atenta no âmbito de movimento voltado à renovação de perspectivas e procedimentos nos estudos culturais e musicais desencadeado em meados da década de 60. 


O reconhecimnento dos problemas derivados de modos de pensar caracterizados por categorizações de objetos, de divisões de áreas e esferas em diferentes sentidos, dirigiu a atenção a processos que transpassam delimitações, a interações que abrem novas perspectivas para estudos em diferentes sentidos. Entre estes, considerou-se que sentidos dos mistérios dolorosos marcaram expressões tanto da esfera secular como eclesiástica, em particular no século XIX e que o seu estudo exige procedimentos que superem divisões entre areas de estudos históricos, sistemáticos e empíricos. 


O Stabat Mater foi objeto de estudos de grupo de trabalho dedicado ao Gregoriano e ao canto medieval em geral no Brasil criado no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão em 1969. Esses estudos foram realizados em cooperação com pesquisadores de diversas instituições, entre elas a Faculdade Sedes Sapientiae, os institutos Pio X do Rio de Janeiro e São Paulo, assim como o Studium Theologicum (Curitiba). 


Em encontros realizados em centro de estudos do Colégio Des Oiseaux das religiosas de Santo Agostinho, a atenção foi dirigida não só ao repertório gregoriano, às fontes e aos estudos especializados, mas, segundo o direcionamento do movimento, a processos culturais através dos tempos e de espaços. Neste sentido, realizaram-se pesquisas de arquivos e de tradições sacro-musicais em São Paulo e em outras cidades. 


Em 1970, o Stabat Mater foi um dos temas tratados em diálogos em São João del Rei no âmbito de observações de tradições sacro-musicais de Semana Santa ali cultivadas. Nos ofícios de Sexta-Feira Santa, cantora local de extraordinárias qualidades vocais interpretou o Stabat Mater de G. Rossini com acompanhamento da Orquestra Ribeiro Bastos, o que foi motivo para o tratamento dos valores do Stabat Mater perante as críticas e as correntes pós-concilares com regentes e cantores. Essa interpretação e o papel do canto nos ofícios e em atos paralitúrgicos foram objeto de colóquios com Pedro de Sousa, destacado personalidade da vida musical local.


Estudos interdisciplinares


O texto do Stabat mater dolorosa revela estreitas relações com imagens e traz à consciência o significado da linguagem visual e da visão nos estudos  culturais, também naqueles referentes à música. Foi objeto, a partir de considerações literárias, de reflexões em cursos de História da Arte em diferentes contextos, entre outros  com Paulo Ramos Machado. Imagens da Mater dolorosa em igrejas paulistas, em particular a da igreja da Boa Morte foram tratadas com historiadores paulistas como Leonardo Arroyo (1918-1985). 


O texto inicia descrevendo a mãe cheia de dores, chorando aos pés da cruz, na qual pende o seu filho. O canto corresponde assim às inúmeras imagens da Virgem Dolorosa em altares de igrejas do Brasil, muitas delas do mais alto significado histórico-artístico. A dramaticidade da cena corresponde a afetos, à alma de Maria gemendo, lamentando, profundamente triste e dolorosa, o que deve ser empáticamente sentida na sua contemplação. 


Essas questões, na sua extrema dramaticidade e que salientam o sofrimento empático dos que contemplam, tem a sua fundamentação na acepção de que Maria presenciou o  suplício do seu Filho, entregue aos que os flagelavam. 


A visualização dessa imagem é enfáticamente salientada em textos em português em geral anônimos, distribuídos em diferentes igrejas: 


Oh! como esteve triste e decaída aquela abençoada mãe do unigênito, que lamentava e sofria vendo a mãe beatífica  as penas de seu filho ínclito. Qual seria o homem que não choraria vendo a mãe de Cristo em tal suplício e desespero? Quem não poderia sofrer com ela ao contemplar como ela sofria com o seu filho?  No canto, suplica-se a Maria a que faça com que aquele que ora compartilhe dos sofrimentos do seu filho flagelado, que por êle padeceu. O que ora chora com ela, quer participar das dores do crucificado em toda a sua vida.  Quer estar aos pés da cruz, associando-se a seu lamento. Dramáticamente, suplica-se à Virgem que não seja cruel, deixando-o  com ela chorar para que possa portar a morte de Cristo, participar de sua paixão e pensar nas suas chagas. Ele quer se inebriar de amor por seu filho através dessa cruz. Inflamando-se e acendido por ela, é protegido pela Virgem no dia do Juízo Final.  A cruz, pela morte de Cristo deve protegê-lo, favorecendo-o com graças. Quando o corpo morrer,  que seja a sua alma seja dada à glória do Paraíso.


Aspectos: Stabat Mater - Manoel da Costa Cabral


Entre as obras do passado brasileiro levantadas e consideradas nos estudos em âmbito internacional, emprestou-se particular atenção a um Stabat Mater cantado em cidades do vale do Paraíba no século XIX.  


O Stabat Mater surge ali como canto integrante do Setenário das Dores. É obra de autoria incerta, composta ou copiada por Manoel da Costa Cabral em época da Quaresma, com data de 28 de fevereiro de 1872, e remontante a obra mais antiga. Pela sua data, foi cantada no Domingo da Paixão em cidades como Guaratinguetá, Pindamonhangaba e Taubaté, passando a pertencer ao repertório de São Luís do Paraitinga, Lagoinhas e Cunha.  A obra é escrita para quatro vozes com acompanhamento instrumental constituído por dois violinos, baixo, flauta, clarineta, trombone, trompete e contrabaixo. O Stabat Mater segue, no Setenário, ao canto do Salve Virgem dolorosa, do Ave Maria, de prática devocional e da Ladainha. A ela seguia-se o canto do Quando corpus e Jaculatorias, estas em português.


Desenvolvimentos subsequentes


Composições do Stabat Mater do Brasil foram considerados em colóquios de doutoramento em musicologia na Faculdade de Filosofia da Universidade de Colonia. A tese defendida em 1979 forneceu fundamentos para a realização do I Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo, no âmbito do qual fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia.


Nos anos que se seguiram, a música sacra no Brasil - e nela o Stabat Mater - foi considerada sob o aspecto etnomusicológico em trabalhos conduzidos em Maria Laach sob orientação brasileira no Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos vinculado à Consociatio Internationalis Musicae Sacrae e ao Istituto Pontificio di Musica Sacra em Roma. 


Os estudos em contextos globais da pesquisa lusófona foram intensificados desde a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS) em 1985. O assuinto foi discutido em simpósios, aulas e seminários referentes às relações entre música e religião nas universidades de Colonia e Bonn a partir de 1997.




ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil




Os textos considerados neste programa são relatos suscintos   de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.