emblema da Universidade de Colonia com a imagem dos 3 reis magos

ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Emblema da Academia Brasil-Europa ABE -Instituto de Estudos da Cultura Musical do mundo de língua portuguesa ISMPS
Manto protetor de Maria. Portal da Conceição Velha, Lisboa
Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo. Universidade de. Colonia. Presidente da Academia Brasil-Europa. Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa ISMPS

Sub tuum praesidium


BRASIL NA MÚSICA SACRA

MÚSICA SACRA NO BRASIL


PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA
PELOS 50 ANOS DE TRABALHOS INTERNACIONAIS


Antífona do vale do Paraíba. Séc. XVIII

LISBOA - MANNHEIM

1975

Sub tuum praesidum no Vale do Paraíba. São Paulo

Sub tuum praesidium é uma antífona mariana que merece e tem merecido particular atenção nos estudos teológicos, mariológicos, de história eclesiástica, sacro-musicais e culturais, tendo sido considerada em várias publicações e gravações, sendo cantada em celebrações e concertos. É digna dessa especial atenção por ser uma das mais antigas orações da tradição cristã, já registrada em fonte do século III. Adquire alto significado teológico e histórico-cultural por documentar a antiguidade das concepções e imagens marianas que decanta. 


Sub tuum praesidium é uma das antifonas consideradas em pesquisas em musicologia realizadas no Brasil desde a década de 1960 e que tiveram continuidade em nível internacional a partir de 1974/1975. Foi um dos temas considerados no primeiro ciclo de estudos luso-brasileiros realizado em Portugal no início de 1974. O seu estudo inseriu-se a seguir em projeto voltado ao desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo análises de processos culturais e, reciprocamente, de estudos culturais de condução musicológica em contextos globais. O projeto foi sediado no Instituto de Musicologia da Faculdade de Filosofia da Universidade de Colonia. 


Um dos primeiros e principais momentos do desenvolvimento do programa foi ciclo de estudos realizado em Mannheim em 1975. Esses estudos foram dedicados a estudos de processos histórico-musicais do século XVIII na Europa nas suas dimensões globais e da recepção de correntes e obras do pré-classicismo centro-europeu no Brasil. Os estudos foram conduzidos a partir de obras de compositores da Escola de Mannheim levantadas em pesquisas realizadas em São Paulo na década de 1960.


O ciclo de estudos em Mannheim foi motivado pela realização do curso Mozart e sua época por Heinrich Hüschen (1915-1983) no Instituto de Musicologia de Colonia.


Sentidos da antífona Sub tuum praesidium


A antífona Sub tuum praesidium tem sentidos que são de significado não só para estudos teológicos e de história religiosa. As concepções e imagens que exprime são de relevância para estudos culturais sob diversos aspectos. O termo praesidium tem sentidos que dizem respeito àquela que preside como protetora, que auxilia, ampara, defende, patrocina, que por assim dizer cobre com o seu manto protetor aqueles que a veneram. A expressão inicial da antífona - sub tuum praesidium - exprime a segurança sentida por aqueles que se encontram sob a égide, sob o manto de Maria. 


Sub tuum præsidium confugimus,

Sancta Dei Genetrix.

Nostras deprecationes ne despicias in necessitatibus,

sed a periculis cunctis libera nos semper,

Virgo gloriosa et benedicta.

Domina nostra, mediatrix nostra, advocata nostra,

tuo filio nos reconcilia,

tuo filio nos commenda,

tuo filio nos repræsenta.


Como o texto expressa, os que cantam sub tuum praesidium pedem a Maria como mãe de Deus que não deixe de escutar a prece daqueles que nas suas atribulações se refugiam sob a sua proteção, livrando-os sempre de todos os perigos. Maria louvada como como Mãe de Deus é uma concepção de remotas origens, já vigente antes da sua dogmatização no Concílio de Éfesos em 431 DC.


A segunda parte do texto expressa concepções fundamentais do Marianismo e que correspondem áquelas de outras orações como Ave Maria e Salve regina. Decanta Maria como Virgem gloriosa e abençoada. Os que oram pedem a ela que os reconciliem com o seu Filho, que a Êle os recomende e apresente. Essas palavras revelam uma focalização ao papel de Maria como medianeira e advogada.


A convicção do estar sob a proteção de Maria pressupõe a sua soberania, alcançada com a sua assunção aos céus determina o sentido da antífona. As concepções relacionam-se assim estreitamente com aquelas decantadas em outras antífonas como a Regina caeli laetare. Como nela expresso, pressuposto é a Ressurreição do Filho que, como o texto decanta, tinha tido o mérito de portar como virgem sem mácula. Revela-se neste sentido os estreitos elos com os sentidos da antífona Tota Pulchra es, onde a plenitude da beleza é decantada e que se fundamenta na sua imaculada conceição.


Sub tuum praesidium em Portugal e no Brasil


O Marianismo na cultura de Portugal e no Brasil passou a ser considerado com particular relêvo no âmbito dos estudos da música em processos culturais. O Sub tuum praesidium é um dos mais significativos testemunhos da permanência de concepções de remotas origens no Brasil. Adquire importância para estudos medievais, assim como aqueles de continuidades da Idade Média e mesmo da Antiguidade no Brasil e em outras regiões descobertas, cristianizadas e colonizadas pelos portugueses. 


Essa convicção e o estado mental e psicológico de sentir-se em segurança e paz sob a proteção de Maria são de significado para a vida de indivíduos e comunidades. O praesidium de Maria pode ser expresso com diferentes conceitos e representações visuais. Uma dessas mais significativas representações dos homens sob o manto acobertador de Maria encontra-se na antiga arte portuguesa, na plástica arquitetônica de histórica igreja da Conceição velha de Lisboa.


O significado extraordinário de Maria na sua dignidade de rainha para Portugal, Brasil e outros países marcados pelos portugueses revela-se no fato de ter sido declarada como rainha de Portugal e de suas possessões pelo rei João IV, o Restaurador (1604-1656)  após a vitória nas lutas pela restauração de Portugal emancipado após o período da união pessoal com a Espanha (1580-1640). 


Esse significado, intensificando expressões do culto mariano de antigas origens, marcou a vida religiosa, cultural e administrativa nas colonias a partir de meados do século XVII, sobretudo de povoados e vilas que se estabeleciam no decorrer de processos de expansão e que correspondiam, pelo meio natural, a uma linguagem de imagens do Marianismo de antigas origens. 


Este foi o caso de localidades do vale do Paraíba em São Paulo, onde a veneração de Maria marcou desenvolvimentos religioso-culturais, sociais e urbanos. Manteve-se através dos séculos, ultrapassando a época colonial, intensificando-se com o movimento de restauração católica do século XIX. A maior expressão de veneração de Maria com a coroa de rainha dos céus é aquela de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, agora soberana como padroeira do Brasil e que é centralizada no maior centro de romarias do país, na cidade que traz o seu nome, Aparecida.


Desenvolvimento dos estudos


As antífonas marianas foram há muito tratadas em cursos e publicações de música sacra no Brasil. Na década de 1960, em consequência de mudanças decorrentes do Concílio Vaticano II, os estudos teológico-musicais passaram a ser conduzidos sob novos critérios. No âmbito dos estudos culturais e, em particular musicais, o reconhecimento da necessidade de atualização de perspectivas levou a procedimentos inter- e transdisciplinares. A atenção passou a ser dirigida a processos que ultrapassam ou superam delimitações de áreas ou esferas em diferentes sentidos, entre elas a do erudito e popular. 


O movimento que procurou difundir esse novo modo de pensar e proceder (Nova Difusão) levou à criação do Centro de Pesquisas em Musicologia em São Paulo. Neste formou-se um grupo de trabalho para estudos do Gregoriano e do canto medieval em geral sob o aspecto teórico-cultural dirigido a processos. Fontes históricas do passado brasileiro levantadas em arquivos e cantos transmitidos pela tradição oral foram consideradas a partir dos estudos desenvolvidos e nos seus relacionamentos. Uma particular consideração mereceu o vale do Paraíba, marcado que é pelo marianismo, evidenciado sobretudo em Aparecida como o maior centro de romarias do Brasil.


Fontes levantadas em pesquisas, remontantes ao século XVIII ou XIX,foram foram discutidas e apresentadas em concertos. No Festival Barroco do Centro de Pesquisas em Musicologia da Nova Difusão, em 1970, as antífonas foram consideradas no contexto mais amplo de renovação de perspectivas historiográficas de periodizações.


Esses estudos tiveram continuidade em nível superior na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo a partir de 1971/2. Em cooperações interdisciplinares, a temática mariana foi também considerada na área da Etnomusicologia. A atenção foi aqui dirigida a fundamentos de expressões tradicionais de culto e formas de devoção sob o aspecto de estudos de condicionamentos culturais. 


Sub tuum praesidium e os estudos do século XIX 


Os estudos concentraram-se especialmente no estudo da música em processos culturais no século XIX em relações entre a Europa e a América Latina. Corresponderam neste sentido a um projeto de edição de obra sobre as culturas musicais da América Latina no século XIX em desenvolvimento no departamento de Etnomusicologia da universidade e a um interesse pela reconsideração do século XIX na musicologia, que levou à discussão de apectos pouco considerados século XIX por renomados pesquisadores alemães em jornadas realizadas em Kassel, em 1976. 


A especial tematização da música sacra nesses estudos musicológico-culturais decorreu da atualidade do debate concernente a desenvolvimentos quanto a concepções e práticas na esfera religiosa em anos pós-conciliares, em particular em países extra-europeus. 


Um dos aspectos tratados foi o da intensificação da veneração mariana no decorrer do século XIX. As principais expressões do marianismo no século da Restauração foi o Concílio Vaticano, a dogmatização da Imaculada Conceição e as  aparições de Maria que marcaram a religiosidade popular e a atuação de ordens religiosas durante décadas. A devoção intensificou-se no século XIX, sendo o mês de outubro dedicado ao Rosário por Leão XIII (1810-1903) em 1884. A consideração do restauracionismo na música sacra deve levar em conta os seus precedentes, deve dar atenção à sua inscrição em processos de longa data.


A convicção do estar-se sob a proteção de Maria que constitui o cerne do Sub tuum praesidium revela-se na veneração de Nossa Senhora do Patrocínio, que tanto marcou a vida religiosa da cidade de Itú, um dos principais centros do movimento católico restaurativo de São Paulo no século XIX. 


Essas considerações abriram perspectivas para estudos mais fundamentados dos Padres do Patrocínio e sobretudo de Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819) que, como pintor, músico e religioso vem há muito sendo alvo de atenções nos estudos culturais e musicológicos. Abriram também caminhos para o estudo de condicionamentos culturais de compositores de Itú que, como Elias Álvares Lobo (1834-1901), foram marcados pela tradição mariana e se tornaram agentes e representantes do movimento restaurativo do século XIX em São Paulo.


A mais antiga fonte do Sub tuum praesidium


A fonte mais antiga considerada foi a de uma antífona Sub tuum praesidium da tradição musical do vale do Paraíba no século XIX, de autor não identificado, assim como outras antigas antífonas da região, pertenceu a Gonçalves Franco, mestre em Guaratinguetá, principal centro musical da região, de onde foi difundida em várias outras localidades, como São Luís do Paraitinga, Lagoinhas e Cunha. 


Sendo copiada e executada em meados o século XIX mas proveniente de época mais remotas, a antífona representa uma retomada de continuidade do passado, uma expressão de sentimentos de cunho nostálgico de restauração de uma época idealizada. Nesse sentido, a antífona adquire significado para o estudo cultura da espiritualidade de uma época que preparou o extraordinário recrudescimento do culto de Nossa Senhora da Conceição no vale do Paraíba. 


Pelas características de sua linguagem musical, a obra remonta ao século XVIII. Teria passado a pertencer a um repertório consuetudinário, respeitado pelas suas remotas e desconhecidas origens, transmissor de estados de espírito marcados por sentimentos condizentes com a segurança possibilitada pela tradição e revigorados em época marcada por tendências restaurativas.


A música, na sua aptidão de mover afetos, surge nessa e em outras antífonas marianas da região, na sua simplicidade e ingenuidade quase que infantil daquele que se sente seguro sob a proteção maternal corresponder a esses sentidos do texto cantado. 


Desenvolvimentos subsequentes


Os estudos de expressões marianas que teve como um de seus marcos o ciclo realizado em Mannheim em 1975, tiveram continuidade nos anos que se seguiram. Foram apresentados e discutidos a partir de fontes levantadas no Brasil em colóquios de doutoramento no Instituto de Musicologia de Colonia e que levaram a defesa de tese em 1979.


O tratamento de temas mariológicos sob a perspectiva dos estudos culturais desenvolveu-se em estudos e cooperações realizados em Maria Laach, histórica abadia beneditina situada às margens de um lago na região vulcânica de Eifel, um dos centros da veneração de Maria e dos estudos marianos na Alemanha. Na biblioteca e em colóquios com monges e estudiosos do Instituto Abt von Hervewegen, considerou-se em Maria Laach a literatura teológica e histórico-religiosa especializada. 


Na esfera da irradiação dessa abadia instalou-se em 1977 centro de estudos do Instituto de Estudos Hinológicos e Musicológicos vinculado à Consociatio Internationalis Musicae Sacrae e ao Istituto Pontificio di Musica Sacra de Roma. Conduzidos em estreitas relações com o projeto musicológico elaborado no Brasil, os estudos foram desenvolvidos no departamento de Etnomusicologia. Os estudos do Sub tuum praesidium no âmbito da Etnomusicologia foram marcados por uma particular atenção a cultos sincretísticos, com a participação observante em concentrações umbandísticas em São Paulo e em práticas religiosas na Bahia


Os estudos das antífonas marianas foram de fundamental sitnificado no planejamento e realização do Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira realizado em São Paulo, em 1981, no âmbito do qual fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia. Esses históricos documentos das antífonas foram a seguir considerados em conferência internacional realizada no Museu da Música de Mariana e que deviam ser incluídos na edição de uma Monumenta então projetada. 


Após a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical no Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS), em 1985, o estudo do marianismo sob o aspecto dos estudos culturais em contextos globais amplicou-se a outras regiões marcadas pela presença portuguesa, na África e no Oriente. 


As antífonas marianas foram consideradas no II Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, dedicado ao tema Tradições Crisãs e Sincretismo no Brasil, realizado na região do Reno em 1989. Foram tratadas em encontros, conferências, aulas e seminários nos anos que se seguiram, salientando-se aqueles realizados nas universidades de Colonia e Bonn a partir de 1997.




ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil












Os textos considerados neste programa são relatos suscintos   de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.