ANAIS
Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo
Veni, Sancte Spiritus reple tuorum corda fidelium é uma oração, recitada ou cantada, que toi tratada com atenção em estudos desenvolvidos em cooperações internacionais desde 1974 na Europa.Os estudos fundamentaram-se tanto nos estudos gregorianos e musicológicos como em fontes históricas levantadas em pesquisas no Brasil desde a década de 1960. Inseriram-se em projeto interdisciplinar brasileiro de desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo processos em contextos globais e de uma culturologia de condução musicológica.
O projeto, foi sediado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. Foi realizado em cooperações com pesquisadores do Instituto Português-Brasileiro da universidade e de instituições da Arquidiocese de Colonia.O tema foi tratado com especial consideração de São Paulo no século XIX, o que foi motivado pela celebração do ano Palestrina em simpósio internacional.
Os estudos foram desenvolvidos com a colaboração de pesquisadores do Brasil, de Portugal e de outros países, salientando-se os musicólogos portugueses Maria Augusta Alves Barbosa, Armindo Borges e Cônego José Augusto Alegria. Um projeto editorial dedicado ás culturas musicais na América Latina no século XIX em andamento no departamento de Etnomusicologia do instituto possibilitou a participação de pesquisadores latino-americanos no projeto.
Significado
O Veni, Sancte Spiritus como apelo ao Espírito Santo para que venha ou chamamento para que desça, designado até mesmo simplesmente como Veni, é uma oração que deve ser considerada com grande atenção nos estudos culturais e, em particular, também naqueles musicológicos referentes ao Brasil, Portugal. Diz respeito a concepções de central significado teológico, filosófico e religioso em geral. Dirigindo-se à Terceira Pessoa da Trindade, é expressão de concepções trinitárias.
Ao Espírito Santo cabe adoração, não apenas veneração. Com essas acepções relaciona-se o conceito de pneuma. A música é estreitamente relacionada com essas concepções espirituais, imateriais, como salientado por teóricos através dos séculos. Essas relações explicam a atenção que o Veni merece nos estudos de música sacra e musicológicos de orientação teórico-cultural. Segundo a tradição, teria sido o Espírito Santo o agente inspirador o Papa Gregorio Magno na criação do canto Gregoriano, o canto litúrgico que leva o seu nome.
Os estudos do Veni, Sancte Spiritus exigem diferenciações. A Antífona Veni, Sancte Spiritus, deve ser considerada em si, não devendo ser confundida com a Sequência que se inicia com o mesmo verso Veni Sancte Spiritus apesar de todos os elos comuns quanto a sentidos. A Antífona diz: Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium (….), a Sequência: Veni Sancte Spiritus, Et emitte caelitus lucis tuae radium (…). Essa distinção reflete-se também no tratamento e na estruturação musical.
Veni, Sancte Spiritus,
reple tuorum corda fidelium,
et tui amoris in eis ignem accende,
qui per diversitatem linguarum cunctarum
gentes in unitatem fidei congregasti.
A Antífona Veni, Sancte Spiritus foi e é entoada na missa do Domingo de Pentecostes, após a Epístola. O texto foi usado em diferentes ocasiões para o invocação do Espírito Santo e, na liturgia, como antífona para o Magnificat na Véspera de Pentecostes. O texto foi tratado musicalmente por vários compositores, entre muitos outros Johann Ernst Eberlin (1702-1762) e W. A. Mozart (1756-1791) . De Mozart tem-se um Veni, Sancte Spiritus designado como Moteto (KV 47), o que indica a sua função de moto, de lema condutor. Também designada por Mozart como Offertorium, indica que o canto podia ser entoado em diferentes partes da celebração, assim como também fora do culto.
Sendo o Veni, Sancte Spiritus estreitamente relacionado com as concepções e a festa de Pentecostes, celebrada no encerramento do tempo pascal, dez dias após a Ascenção, diz respeito à rememoração de um acontecimento que é considerado como fundamental para a Igreja: a vinda prometida aos discípulos por Jesus após a sua morte (Jo 14,15-27) e que acontece em rumor e fortes movimentações que preencheu o espaço onde se encontravam, descendo como flamas sobre os presentes (Apóstolos 2, 2-3).
O texto da Antífona refere-se a essa narrativa, interpretando-a: o Espírito preenche os corações dos fiéis, o fogo do seu amor é neles inflamado, e as gentes, na diversidade de suas línguas, é congregada em unidade. Trata-se de diversidade e unidade, alcançada esta por aqueles inflamados pelo fogo de amor do Espírito Santo, o que revela o significado do texto para estudos de linguagem visual e de relações diversidade/unidade, de fundamental importância teórico-cultural e para análises de processos.
Precedentes
O Veni, Sancte Spiritus foi há muito e é frequentemente lembrado e mesmo cantado em círculos de pesquisadores que se dedicam a estudos relacionados com o canto Gregoriano e a música sacra em geral, não só no Brasil. Foi tratado em publicações, ensinado e cultivado em escolas de música sacra e em cursos e encontros em festivais internacionais. Foi considerado pelos membros do círculo de estudos de Gregoriano e de música sacra sob a perspectiva teórico-cultural formado no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão a partir de 1968 e que se realizaram em cooperações com a Faculdade Sedes Sapientiae e outras instituições.
Em cooperação com o Instituto Pio X de São Paulo e do Rio de Janeiro, esses estudos tinhamcomo um de seus objetivos procurar novas perspectivas para o estudo do Gregoriano no Brasil. O movimento gregoriano no Brasil, conduzido à luz do Motu Proprio de Pio X e marcado por concepções pré-conciliares, passara a vivenciar uma situação de crise, exigindo reconsiderações teóricas.
A orientação do Centro de Pesquisa em Musicologia era dirigida à renovação dos estudos culturais e musicais através de um direcionamento da atenção a processos e suas interações. Essa orientação trazia um questionamento e uma relativação de concepções até então consideradas como definitivas. Ela exigia estudos mais pormenorizados do século XIX, que foi aquele do Historismo e de reformas restauracionistas religiosas. Esses intuitos de renovação de posições e perspectivas através de análises de processos que, em complexas interações ultrapassam fronteiras e delimitações de esferas sociais e culturais.
Em nível superior, o debate teórico do canto medieval e suas extensões nas regiões descobertas pelos europeus nos séculos XV e XVI foi conduzido nos cursos de Estruturação Musical na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo a partir de 1972. Esse curso, desenvolvido segundo impulsos recebidos de cursos de Musicologia na Sorbonne, deu particular atenção ao Gregoriano e à necessária renovação de paradigmas do movimento gregoriano e dos seus objetivos educativos. Nesse sentido, preparou-se, com mais de 400 estudantes, uma missa gregoriana para a festa de Pentecostes e que, em ato ecumênico, foi celebrada na igreja de Santa Ifigênia em São Paulo, uma das raras missas com canto gregoriano dos anos pós-conciliares no Brasil.
A mais antiga fonte
O extraordinário significado do culto ao Espírito Santo no Brasil revela-se sobretudo na festa de Pentecostes, uma das mais importantes do calendário. Com o seu novenário, celebrações, procissões e práticas tradicionais a época de Pentecostes, a festa do Divino marca a vida religiosa e cultural de numerosas cidades brasileiras. Muitas dessas tradições manifestam na sua linguagem visual correspondência com aquelas das ilhas atlânticas, em particular dos Açores. Estas remontam à Idade Média e, nas suas origens, à Antiguidade bíblica e mesmo greco-romana.
Uma das regiões do Brasil que mais intensamente são marcadas pelo culto do Espírito Santo é o vale do Paraíba em São Paulo. É assim compreensível que essas expressões tenham despertado há muito o interesse da pesquisa cultural no Brasil.A atenção à antífona justificou-se pela importância das festas de Pentecostes em cidades do vale do Paraíba, o que se manifesta em novenas e em missas votivas do Espírito Santo, assim como em atos paralitúrgicos e festivos.
Em pesquisas realizadas em cidade do vale do Paraíba no decorrer da década de 1960 descobriu-se um Veni Sancte Spiritus que se revela como uma das mais antigas fontes desse canto na região e sua permanência no repertório sacro-musical do século XIX. A obra, de autor desconhecido, foi analisada como um documento de expressões musicais da adoração do Espírito Santo na região e no contexto mais amplo de regiões colonizadas, sobretudo por ilhéus dos Açores, onde o culto é do mais alto significado, A atenção foi dirigida à sua inserção na tradição teológica e eclesiástica, assim como nos seus elos com melodias medievais transmitida através de livros eclesiásticos e da tradição oral.
As diferentes versões da configuração melódica do Veni, Sancti Spiritus conhecidas da tradição européia foram consideradas e analisadas como ponto de partida para os estudos comparativos com a condução melódica da composição brasileira. Essas análises revelaram os estreitos elos com a os cantos registrados nas fontes documentais, demonstrando os vínculos da melodia com o texto e incisos, assim como da prática alternada, antifonal da tradição sacro-musical. Uma questão particularmente considerada pelos musicólogos foi aquela das relações entre a modalidade de versões medievais com a estruturação tonal do documento brasileiro.
A antífona Veni, Sancti Spiritus revela as bases gregorianas da condução melódica. O compositor partiu da melodia gregoriana e a reelaborou quanto a rítmo e metro, o que é evidenciado sobretudo no tratamento dos neumas. Tudo indica que o compositor partiu de uma tradição oral do canto gregoriano. Esse Veni Sancte Spiritus do vale do Paraíba, fonte pertencente a um fundo mais antigo do repertório regional, revela pelas suas características estilísticas e pela grafia provir de tradição mais remota, Essa antífona adquire assim significado para estudos da prática de execução do gregoriano nos séculos XVIII e início do XIX no Brasil.
A consideração desse Veni, Sancte Spiritus brasileiro despertou sob diferentes aspectos extraordinário interesse no âmbito do projeto referente ao Brasil na Musicologia em contextos globais. O debate então atual sobre o Gregoriano como canto por excelência da Igreja - também no contexto das intenções pela criação de uma música sacra adequada culturalmente em países extra-europeus - adquiriu novas dimensões.
Nas reflexões encetadas em simpósio etnomusicológico no âmbito do Congresso Internacional de Música Sacra realizado em Bonn e Colonia, em 1979, considerou-se a possibilidade de adaptação do Gregoriano nos diferentes contextos culturais e os critérios a serem seguidos. Os participantes brasileiros puderam lembrar que já há muito, em países de formação católica como o Brasil, o Gregoriano já tinha levado a formas de expressão e interpretação decorrentes de processos culturais e que esse patrimônio não devia ser ignorado.
Desenvolvimentos subsequentes
Em 1976, despontou, nos meios acadêmicos, um novo interesse pelo estudo do Gregoriano, o que levou à fundação da Schola Cantorum Coloniensis. Essa iniciativa tomou, através de suas estreitas relações com a a tradição eclesiástica em participações em missas e ofícios, um caminho outro daquele estritamente de cunho científico-cultural seguido e preconizado pelo projeto brasileiro. Como exposto em periódico do Instituto Gregoriano de Lisboa, via-se nessa iniciativa uma tentativa de renascimento do movimento gregoriano do passado.
Com a fundação do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos da Consociatio Internationalis Musicae Sacrae em Maria Laach, em 1977, questões histórico-religiosas e teológicas passaram a constituir o objeto central de estudos e debates. O escopo desse centro de pesquisas era o de realizar estudos que fundamentassem intuitos de criação de uma música sacra adequada culturalmente aos países extra-europeus.
A posição brasileira nos trabalhos etnomusicológicos desse instituto distinguia-se pelo intento de trazer à consciência de etnomusicólogos, pesquisadores de música sacra e missiólogos que essas reflexões não podiam partir de acepções que não levassem em conta que as regiões não-européias já tinham sido marcadas por processos desencadeados há séculos e que o patrimônio assim constituído não podia ser ignorado.
Esse significado do Veni Sancte Spiritus do vale do Paraíba justificou a sua consideração em encontros, congressos simpósios, aulas e seminários. Foi lembrado na sessão realizada em São Luís do Paraitinga no Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira em 1981. Foi considerado em cursos universitários, salientando-se o seminário Música e Religião na Universidade de Bonn, em 2003.
ao programa Brasil na música sacra / música sacra no Brasil
Os textos considerados neste programa são relatos suscintos de estudos que vem sendo desenvolvidos em âmbito internacional nos últimos 50 anos a partir de fontes levantadas em pesquisas no Brasil desde 1965. Consideram somente alguns de seus aspectos, tratados de forma sumária. Procurm apenas oferecer uma visão geral de questões tratadas em estudos, encontros e colóquios que antecederam defesa de tese apresentada na Universidade de Colonia em 1979 e desenvolvimentos que a ela se seguiram. Neles mencionam-se obras que não puderam ser publicadas devido a restrições quanto a número de páginas impostas para a sua edição alemã. As fontes musicais encontram-se no Brasil, tendo sido tratadas no Exterior a partir de fotocópias. Essas fontes estão sendo estudadas e deverão ser publicadas por pesquisadores vinculados ao centro de estudos que representa o ISMPS e a ABE no Brasil (IBEM). Após a sua publicação, o acervo estará à disposição de outros pesquisadores. No presente, informações sobre o acervo e cópias de materiais não podem ser fornecidas.